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Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

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Os últimos dias de Gaza

O genocídio está quase concluído. Quando terminar, não terá apenas dizimado os palestinos, mas também exposto a falência moral da civilização ocidental

The Last Piece – A Última Peça – arte de Mr. Fish (Foto: Mr. Fish)

Originalmente publicado no Substack do autor em 9 de junho de 2025

Este é o fim. O capítulo final, encharcado de sangue, do genocídio logo terminará. Semanas. No máximo. Dois milhões de pessoas estão acampadas entre os escombros ou ao ar livre. Dezenas são mortas e feridas diariamente por bombas, mísseis, drones, balas e projéteis israelenses. Faltam água potável, medicamentos e comida. Chegaram ao ponto de colapso. Doentes. Feridos. Aterrorizados. Humilhados. Abandonados. Indigentes. Famintos. Sem esperança.

Nas últimas páginas desta história de horror, Israel está sadicamente atiçando palestinos famintos com promessas de comida, atraindo-os para a estreita e congestionada faixa de terra de nove milhas que faz fronteira com o Egito. Israel e a sua cinicamente nomeada Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês), alegadamente financiada pelo Ministério da Defesa de Israel e pelo Mossad, estão usando a fome como arma. Estão seduzindo os palestinos para o sul de Gaza do mesmo modo como os nazistas seduziam os judeus famintos no Gueto de Varsóvia a embarcar em trens com destino aos campos de extermínio. O objetivo não é alimentar os palestinos. Ninguém em sã consciência argumenta que haja comida suficiente ou centros de ajuda. O objetivo é amontoar os palestinos em campos fortemente vigiados e deportá-los.

O que vem depois? Já faz muito tempo que parei de tentar prever o futuro. O destino tem um jeito de nos surpreender. Mas haverá uma explosão humanitária final no matadouro humano que é Gaza. Vemos isso nas multidões de palestinos que lutam para conseguir um pacote de alimentos, o que já resultou na execução a tiros de pelo menos 130 pessoas por contratados privados israelenses e estadunidenses, além de mais de setecentos feridos nos primeiros oito dias de distribuição de ajuda. Vemos isso com Benjamin Netanyahu armando gangues ligadas ao ISIS em Gaza que saqueiam os suprimentos. Israel, que eliminou centenas de funcionários da UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo), médicos, jornalistas, funcionários públicos e policiais em assassinatos direcionados, orquestrou a implosão da sociedade civil.

Suspeito que Israel facilitará uma ruptura na cerca ao longo da fronteira egípcia. Palestinos desesperados invadirão o Sinai egípcio. Talvez termine de outro modo. Mas terminará em breve. Os palestinos não têm mais o que ar.

Nós — participantes plenos neste genocídio — teremos alcançado o nosso objetivo insano de esvaziar Gaza e expandir a Grande Israel. Colocaremos o ponto final no genocídio transmitido ao vivo. Teremos ridicularizado os onipresentes programas universitários de estudos sobre o Holocausto, que servem, ao que tudo indica, não para nos preparar para impedir genocídios, mas para deificar Israel como vítima eterna, com licença para cometer massacres em massa. O mantra do “nunca mais” é uma piada. A noção de que, quando temos a capacidade de parar um genocídio e não o fazemos, somos cúmplices, não se aplica a nós. O genocídio é uma política pública. Aprovado e sustentado pelos dois partidos que governam [os EUA].

Não há nada a mais a dizer. Talvez esse seja o ponto. Nos reduzir ao silêncio. Quem não se sente paralisado? Talvez esse também seja o ponto. Nos paralisar. Quem não está traumatizado? Talvez isso também tenha sido planejado. Nada do que fazemos parece deter os assassinatos. Sentimo-nos indefesos. Sentimo-nos impotentes. Genocídio como espetáculo.

Parei de olhar as imagens. As fileiras de pequenos corpos envoltos em mortalhas. Os homens e mulheres decapitados. Famílias queimadas vivas em suas tendas. As crianças mutiladas ou paralisadas. As máscaras de morte cobertas de poeira dos que são retirados dos escombros. Os gritos de dor. Os rostos esqueléticos. Não consigo.

Este genocídio vai nos assombrar. Ecoará na história com a força de um tsunami. Nos dividirá para sempre. Não há caminho de volta.

E como o lembraremos? Não lembraremos.

Quando tudo terminar, todos os que o apoiaram, todos os que o ignoraram, todos os que nada fizeram, reescreverão a história — inclusive a sua história pessoal. Foi difícil encontrar alguém que itisse ter sido nazista na Alemanha pós-guerra, ou membro da Ku Klux Klan depois que a segregação terminou no sul dos Estados Unidos. Uma nação de inocentes. Até vítimas. Será o mesmo agora. Gostamos de pensar que teríamos salvado Anne Frank. A verdade é outra. A verdade é que, paralisados pelo medo, quase todos nós salvaríamos apenas a nós mesmos, mesmo às custas dos outros. Mas essa é uma verdade difícil de encarar. Essa é a verdadeira lição do Holocausto. Melhor que seja apagada.

Em seu livro “One Day, Everyone Will Have Always Been Against This” [Um Dia, Todos Terão Sempre Sido Contra Tudo Isso], Omar El Akkad escreve:

Se um drone vaporizar alguma alma sem nome do outro lado do planeta, quem entre nós vai reclamar? E se for mesmo um terrorista? E se a acusação-padrão for verdadeira e, por implicação, formos rotulados de simpatizantes do terrorismo, ostracizados, xingados? Em geral, as pessoas são mais motivadas pelo pior que poderia plausivelmente lhes acontecer. Para alguns, o pior possível é o fim da sua linhagem num ataque aéreo. Suas vidas inteiras reduzidas a escombros — tudo previamente justificado em nome do combate ao terrorismo — terroristas por padrão por terem sido mortos. Para outros, o pior é apenas serem xingados.

Você pode ver minha entrevista com El Akkad aqui [https://chrishedges.substack.com/p/one-day-everyone-will-have-always]

Não se pode dizimar um povo, realizar bombardeios por 20 meses para destruir suas casas, aldeias e cidades, massacrar dezenas de milhares de inocentes, impor um cerco para garantir fome em massa, expulsá-los de terras onde viveram por séculos — e esperar que não haja alguma reação. O genocídio terminará. A resposta ao reinado do terror estatal começará. Se você pensa que não, não entende nada sobre a natureza humana ou a história. O assassinato de dois diplomatas israelenses em Washington e o ataque a apoiadores de Israel num protesto em Boulder, Colorado, são apenas o começo.

Chaim Engel, que participou da revolta no campo de extermínio de Sobibor, na Polônia, descreveu como, armado com uma faca, atacou um guarda do campo.

“Não foi uma decisão,” explicou Engel anos depois. “Você apenas reage, instintivamente reage àquilo, e eu pensei: ‘Vamos fazer isso, vamos e façamos.’ E fui. Entrei com o homem no escritório e matamos aquele alemão. A cada golpe, eu dizia: ‘Isto é pelo meu pai, pela minha mãe, por todas essas pessoas, todos os judeus que você matou.’”

Alguém espera que os palestinos ajam de forma diferente? Como devem reagir quando a Europa e os Estados Unidos, que se colocam como os guardiões da civilização, apoiaram um genocídio que massacrou seus pais, seus filhos, suas comunidades, ocupou suas terras e reduziu suas cidades e casas a escombros? Como não odiar aqueles que fizeram isso com eles?

Qual a mensagem que este genocídio transmitiu, não só aos palestinos, mas a todo o Sul Global?

A mensagem é inequívoca: vocês não importam. O direito humanitário não se aplica a vocês. Não nos importamos com o sofrimento de vocês, com o assassinato dos seus filhos. Vocês são vermes. Vocês não valem nada. Vocês merecem ser mortos, famintos, despossuídos. Vocês devem ser apagados da face da Terra.

“Para preservar os valores do mundo civilizado, é necessário pôr fogo numa biblioteca,” escreve El Akkad:Para explodir uma mesquita. Para incendiar oliveiras. Para vestir as lingeries das mulheres que fugiram e então tirar fotos. Para arrasar universidades. Para saquear joias, arte, comida. Bancos. Para prender crianças por colherem legumes. Para atirar em crianças por jogarem pedras. Para exibir os capturados de cueca. Para quebrar os dentes de um homem e enfiar uma escova de banheiro em sua boca. Para soltar cães de combate sobre um homem com síndrome de Down e então deixá-lo morrer. Caso contrário, o mundo incivilizado pode vencer.

Há pessoas que conheço há anos com quem nunca mais falarei. Elas sabem o que está acontecendo. Quem não sabe? Não querem correr o risco de alienar os seus colegas, serem taxadas de antissemitas, arriscar o seu status, serem repreendidas ou perderem seus empregos. Não arriscam a vida, como os palestinos. Arriscam apenas manchar os monumentos patéticos de status e riqueza que aram a vida construindo. Ídolos. Elas se curvam diante desses ídolos. Adoram esses ídolos. São escravas deles.

Aos pés desses ídolos jazem dezenas de milhares de palestinos assassinados.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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