Racismo e polarização: o caso da Califórnia expõe o "declínio dos EUA"
Donald Trump, presidente dos EUA, enfrenta resistência no segundo mandato com políticas migratórias e o envio de tropas para conter protestos
247 – Milhares de pessoas tomaram as ruas de Los Angeles e outras cidades norte-americanas nos últimos dias para protestar contra as operações de batidas migratórias conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândega (ICE), especialmente na Califórnia. Este estado, de central importância econômica e cultural para os EUA, tem sido historicamente sustentado por comunidades migrantes. Em matéria divulgada pela Sputnik Brasil, o envio da Guarda Nacional e do Corpo de Fuzileiros Navais para conter os protestos revelou um aprofundamento das tensões entre Washington e as autoridades californianas.
Diante da onda de manifestações, o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que assumiu seu segundo mandato em 2025, ordenou o envio de quatro mil integrantes da Guarda Nacional e centenas de fuzileiros navais para a região. As autoridades da Califórnia, por sua vez, classificaram as medidas como excessivas e até ilegais. Em resposta aos manifestantes, que em sua maioria exibiam bandeiras do México, o presidente Trump declarou: "São animais que carregam bandeiras estrangeiras". Ele ainda alertou que, caso os atos não cessem, poderá invocar a Lei de Insurreição de 1807 para usar as Forças Armadas na repressão.
Crescente enfraquecimento e perda de coesão nos EUA
Para Miguel Ángel Valenzuela Shelley, especialista em relações internacionais da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), a situação na Califórnia é um claro indicativo do enfraquecimento dos EUA como potência global. Shelley aponta que o país tem sofrido, há pelo menos uma década, uma forte perda de coesão social, acompanhada de crescente polarização, radicalização interna e uma redução de relevância geopolítica.
"Economicamente, comercialmente, os EUA estão em queda. Há um nacionalismo exacerbado e uma radicalização preocupante. Tudo isso indica um declínio cultural e de influência política. Estamos presenciando o declínio dos EUA. A soberba do governo Trump, o descaramento e o uso excessivo do poder mostram uma decadência cultural e de legitimidade", afirmou o especialista à Sputnik. Ele complementa que o slogan "Make America Great Again" (Tornar a América Grande Novamente) não a de uma frase de efeito vazia, visto que Trump está longe de conseguir cumprir suas principais promessas.
Luis Huacuja, pesquisador e consultor em assuntos internacionais, corrobora a análise, destacando a dificuldade de Trump em consolidar suas políticas. "Trump não conseguiu fazer as coisas acontecerem. ados mais de 100 dias desde que assumiu o cargo pela segunda vez, ainda não consolidou suas políticas", ressalta Huacuja. Ele cita o fracasso em encerrar o conflito na Ucrânia e os erros nas políticas tarifárias como exemplos. "Sua popularidade está em queda acentuada", observa. Segundo o doutor em Direito, a atual ofensiva contra migrantes pode se tornar mais um erro estratégico, alertando: "Esse desprezo pela comunidade migrante pode custar caro, já que ele recebeu apoio até mesmo de parte desse grupo. Subestimar a força dos migrantes — só de mexicanos são cerca de 40 milhões — pode sair caro". Durante a última eleição presidencial nos EUA, uma pesquisa de boca de urna da NBC News indicou que 46% dos eleitores latinos votaram em Trump.
Sem freios no segundo mandato: "Não há quem o detenha"
Raquel Saed, socióloga e mestre em Estudos México-EUA pela UNAM, lembra que Trump tem os migrantes como alvo há mais de uma década. No entanto, ela destaca uma diferença crucial entre seu primeiro mandato (2016–2020) e o atual: "Antes, alguns assessores funcionavam como freios. Agora, ninguém o segura. Ele está cercado por pessoas que permitem que vá até onde quiser".
A professora da Universidade Iberoamericana aponta que o presidente Donald Trump tenta cumprir a promessa de deportar o máximo possível de imigrantes, algo que ela considera inviável: "Ele quer expulsar cerca de 11 milhões de mexicanos sem documentos. Como se faz isso? É impossível". Saed ainda enfatiza que a política migratória atual do governo é baseada no racismo, tendo como principal arquiteto o assessor Stephen Miller, conhecido por sua aversão aos migrantes.
Para a doutora em Relações Internacionais da UNAM Claudia Serrano, os protestos na Califórnia podem, paradoxalmente, fortalecer Trump politicamente ao lhe dar pretexto para enviar tropas a estados democratas. No entanto, ela alerta que a comunidade migrante pode se tornar um contrapeso significativo às suas políticas. "Esse pode ser o começo das rachaduras: não há um governo plenamente coeso por trás da visão de Trump sobre migração", avalia Serrano.
A socióloga conclui que, apesar do discurso de unidade e grandeza, mobilizações como as da Califórnia revelam profundas dificuldades de coordenação nacional em torno da política migratória dos Estados Unidos.
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