Irã aposta em corredor estratégico para unir o Cáspio ao Golfo Pérsico e desafiar hegemonias globais
Infraestrutura do Corredor Internacional Norte-Sul avança sob sanções e se firma como eixo logístico entre Rússia, Irã, Índia e Ásia Central
247 - No coração da geopolítica eurasiática, o Irã está pavimentando uma das rotas comerciais mais ambiciosas do século XXI: o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC, na sigla em inglês). Unindo as potências do BRICS Rússia, Irã e Índia, o projeto ganha corpo como alternativa mais rápida e econômica ao Canal de Suez, ao mesmo tempo em que contorna o regime de sanções imposto pelo Ocidente. Reportagem do jornalista Pepe Escobar para a Sputnik oferece um raro mergulho in loco nessa infraestrutura estratégica, percorrendo o país de norte a sul.
A jornada teve início em Teerã, com entrevistas a analistas da Ásia Central e a Mostafa Agham, principal especialista da empresa Behineh Tarabar Azhour. Especializada em logística ferroviária eurasiática, a companhia vem discutindo os caminhos ideais para o avanço do INSTC. Segundo Agham, há dúvidas sobre a viabilidade da multimodalidade via Mar Cáspio. “Os russos preferem construir uma ferrovia contornando a margem oeste do Cáspio”, afirmou. Outra alternativa é utilizar trilhos já existentes cruzando o Cazaquistão até Aktau e dali para Teerã, via Turcomenistão.
De Isfahan a Qom: patrimônio e peregrinação - O trajeto pela principal artéria rodoviária iraniana, entre Teerã e Bandar Abbas, não é apenas logístico — é também cultural. A parada em Isfahan revelou a majestade da Mesquita Real (Masjed-e Shah), joia da arquitetura islâmica no centro da Praça Naghsh-e Jahan. No bazar da cidade, além da riqueza do artesanato, as dificuldades impostas pelas sanções foram tema de conversas com comerciantes. “A Turquia recebe 40 milhões de turistas; nós temos dois ou três”, lamentou um jovem vendedor de tapetes tribais.
Na volta a Teerã, a visita ao santuário de Fátima Maçuma em Qom, por volta das 2h da manhã, rendeu um momento de contemplação. Poucos peregrinos circulavam pelo espaço sagrado, alguns lendo o Alcorão sob o brilho dos cristais e do ouro do segundo local mais sagrado do Irã.
Bandar Anzali: o porto que ainda não existe - No norte, em Bandar Anzali, às margens do Cáspio, a infraestrutura portuária ainda não está à altura do projeto. Um dos cinegrafistas sintetizou o cenário: “porto não existe”. Segundo a reportagem, o local está praticamente inativo há décadas, sendo necessário um forte investimento chinês — previsto na parceria estratégica de 20 anos entre Teerã e Pequim — para modernizar o terminal.
A força de Bandar Abbas e o papel da China - Em contraste, o porto de Bandar Abbas, no Golfo Pérsico, desponta como o principal eixo do INSTC. Interligado aos grandes portos do leste da China e próximo ao estratégico Estreito de Ormuz, o terminal Shahid Rajaee movimenta cargas vindas de empresas como a West Asia Express e de navios chineses. A visita da equipe jornalística coincidiu com tensões geopolíticas. Pouco depois, o presidente iraniano Masoud Pezeshkian reagiu às ameaças do presidente Donald Trump com uma advertência direta: “bloqueiem nosso petróleo, e bloquearemos a energia do mundo.”
Um incidente recente envolvendo uma explosão atribuída à “negligência” não ocorreu no porto em si, mas em um armazém a 10 km de distância, segundo autoridades locais.
Chabahar: a joia esquecida do Oriente - A etapa final da reportagem se deu em Chabahar, província de Sistão-Baluchistão, já no Mar de Omã. Com apenas dois voos semanais e um aeroporto militar precário, a cidade dá sinais de se tornar um polo emergente. Ao lado do especialista em logística Alireza Jahan e de Mohammad Saeid Arbabi, presidente da Zona de Livre Comércio, Escobar percorreu o porto e discutiu seus planos.
Chabahar atende uma vasta região — mais de 20 milhões de pessoas — e concorre com Gwadar, no Paquistão, situado a apenas 80 km, mas virtualmente isolado. A Índia investe em equipamentos e guindastes, enquanto o Irã financia toda a infraestrutura e prepara a construção de uma ferrovia de 632 km até Zahedan, na fronteira afegã, nos próximos três anos.
O porto recebe atualmente três navios indianos, dois chineses e três do Golfo por mês. Mumbai está a apenas quatro dias de distância e Xangai, a 15. O potencial de crescimento é praticamente ilimitado.
Makran: geopolítica e paisagens - A viagem termina em uma rota deslumbrante ao longo da costa de Makran, entre o Mar de Omã e o Mar Arábico. Foi ali que Alexandre, o Grande, perdeu grande parte de seu exército no retorno da Índia. Hoje, o mesmo litoral pode receber, no futuro, até a capital do país, em uma tentativa de descentralizar Teerã e impulsionar a integração econômica com a Ásia Meridional.
Segundo Escobar, “a China certamente percebeu” o valor geoestratégico de Chabahar, e empresas chinesas devem investir maciçamente no porto, que se consolida como ponto central da integração do Sul da Eurásia.
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