“Dilma foi derrubada pelos donos do PIB", diz Leonardo Loureiro Nunes
Economista afirma que um dos principais objetivos do golpe de 2016 foi elevar as margens de lucro de setores cartelizados da economia
247 – Em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch na TV 247, o economista e Leonardo Loureiro Nunes apresentou os principais argumentos de seu recém-lançado livro Dilma contra os donos do PIB (Editora Contracorrente, com prefácio de Luiz Gonzaga Belluzzo), que investiga o papel dos grandes grupos econômicos no golpe parlamentar que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016.
Nunes sustenta que a ruptura institucional não se deu por colapso econômico, mas sim pela insatisfação da elite empresarial com políticas públicas que reduziram suas margens de lucro. "Houve uma queda generalizada da taxa de lucro da economia, e é isso que explica a rejeição ao governo Dilma", afirmou. Segundo ele, Dilma foi “derrubada pelos donos do PIB” — os setores oligopolizados da economia que, ao verem seus lucros comprimidos, se aliaram para romper a institucionalidade democrática.
A tese central: lucros sob ataque
De acordo com o autor, a explicação para o impeachment deve ser buscada menos nas narrativas de crise ou corrupção, e mais na perda de rentabilidade de setores estratégicos da economia. “O que causou a insatisfação foi a queda nas taxas de lucro. Dilma tentou controlar preços estratégicos — como energia, combustíveis, juros e tarifas de concessões — e isso desagradou profundamente os grandes grupos econômicos”, explica.
Nunes argumenta que esses grupos, que ele chama de “donos do PIB”, não se confundem com a base industrial tradicional representada por federações como a Fiesp. São conglomerados atuando em setores como energia, logística, mineração e bancos, com forte interpenetração entre capital produtivo, rentista e internacional. “Hoje não há mais distinção entre capital nacional e internacional. Tudo está entrelaçado.”
Políticas que desagradam o topo
Entre as iniciativas que teriam despertado a ira do mercado financeiro, Nunes lista:
- MP do Setor Elétrico, que visava baixar os preços da energia renovando concessões amortizadas com tarifas menores. “Muitos fundos de investimento têm posição em empresas de energia. Isso afetou diretamente sua rentabilidade.”
- Redução dos spreads bancários, por meio do Banco do Brasil e da Caixa, pressionando a margem de lucro do setor financeiro.
- Política de modicidade tarifária em concessões de infraestrutura, como no PIL (Programa de Investimento em Logística), estabelecendo que vencia o leilão quem oferecesse a menor tarifa.
- Controle nos preços dos combustíveis e desonerações fiscais, que foram capturadas pelas empresas sem se traduzirem em aumento de investimento ou produção.
Todas essas medidas, segundo o economista, foram tentativas de elevar a competitividade da indústria brasileira, mas acabaram minando o apoio da elite empresarial.
Um projeto burguês sem a burguesia
Para Nunes, há um equívoco histórico recorrente na esquerda brasileira: a crença na existência de uma burguesia nacional desenvolvimentista. “Sou cético em relação à existência de uma burguesia nacional. O Brasil é um país periférico e essa classe empresarial olha apenas para seus interesses imediatos”, afirmou. “O PT tentou fazer um projeto reformista burguês à revelia da burguesia.”
Essa crítica remete à tradição de intelectuais como Florestan Fernandes e Celso Furtado, que analisaram a formação das classes médias e das elites brasileiras como profundamente conservadoras e avessas à mobilidade social ascendente das classes populares.
A classe média e o ressentimento social
Nunes também oferece uma explicação sociológica para o papel da classe média no processo de desestabilização do governo Dilma. “A classe média baixa foi uma das grandes bases do bolsonarismo. O andar de baixo subiu, e ela ficou estagnada. As pessoas são comparativas. E isso gerou ressentimento”, disse. “Programas sociais como o Bolsa Família criaram incômodos em setores que não se viam contemplados por políticas específicas.”
Essa frustração, combinada com o discurso anticorrupção promovido pela mídia e pelo Judiciário, criou um terreno fértil para manifestações e adesão a um projeto autoritário de ruptura institucional.
O legado do golpe e o desafio de Lula
Segundo o autor, o governo de Michel Temer — que sucedeu Dilma após o impeachment — recompôs as taxas de lucro da elite empresarial com medidas regressivas, como a reforma trabalhista, previdenciária e privatizações. “Mesmo com uma economia menos dinâmica, o governo Temer ampliou as margens de lucro.”
Já o presidente Lula, no terceiro mandato, enfrenta restrições herdadas desse processo. “Muito do que foi feito no pós-Dilma foi bem amarrado e impõe limites. A política de preços da Petrobras, por exemplo, engessou a capacidade do governo de atuar”, aponta.
Além disso, Nunes lembra que o Brasil de hoje é outro: polarizado, com instituições abaladas e sob a constante ameaça da extrema direita. “Não dá para esperar os mesmos índices de aprovação de 2010. O governo tenta normalizar a democracia após uma tentativa de golpe de Estado.”
Socialismo na periferia: limites e dilemas
Ao ser questionado sobre uma eventual ruptura socialista, Nunes expressou ceticismo quanto à viabilidade de experiências radicais nos países periféricos. “Não acredito em soluções de ruptura pela periferia do capitalismo. O centro — EUA e Europa — é que teria condições de promover mudanças estruturais.”
Para ele, o desafio da esquerda é formular respostas concretas aos problemas do trabalho, da renda e da desigualdade, sem cair nas armadilhas retóricas da extrema direita, que aponta inimigos fictícios (como imigrantes ou programas sociais), enquanto protege o capital.
Uma obra fundamental
Dilma contra os donos do PIB é resultado de uma tese de doutorado defendida na Universidade Paris 1 – Panthéon-Sorbonne. O livro reúne entrevistas com nomes como Nelson Barbosa, Esther Dweck, Arno Augustin, Luciano Coutinho e outros formuladores da política econômica dos governos do PT. Nunes também ouviu empresários e dirigentes da Fiesp, alguns sob anonimato, que revelaram perplexidade com as consequências políticas do golpe de 2016.
A obra é um marco na análise econômica e política do impeachment, conectando os interesses do topo da pirâmide econômica com a erosão da democracia brasileira. Como disse o próprio autor: “O vice-presidente transformou o impeachment numa eleição indireta para presidente. Se isso não é golpe, não sei o que é.”
Disponível pela Editora Contracorrente, o livro se impõe como leitura essencial para compreender o ado recente e os desafios presentes da democracia no Brasil. Assista a entrevista:
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