O silêncio de Leão XIV

Cazuza canta “... dias sim, dias não. Eu vou sobrevivendo sem um arranhão. Da caridade de quem me detesta...”. Em outra canção o cantor enfatiza que seus heróis morreram de overdose, ou seja, tentaram criar um outro mundo, quiçá mais humanizado pelas vias fatais.

Cazuza, de orientação homoafetiva, artista provocativo, expõe sua vivência em uma sociedade excludente, onde vive da caridade de quem o detesta, ou busca heróis ou mundos mortos pela desesperança. Deus criou o mundo, mas quem tem lugar nele?

No Brasil, o Atlas da Violência de 2025 aponta que os ataques à população LGBTQIA+ cresceu mais de 1.000% nos últimos anos. O papa atual falou conceitualmente de família na Igreja. Porém, ainda inconclusivo ao tema inconveniente. Os LGBTQIA+ são uma realidade humana de todos os tempos e que aparece com mais veemência agora. Embora apareça de forma contundente no filme Conclave, com a eleição de uma pessoa Intersexo – alguém que não se encaixa nas definições biológicas típicas de masculino ou de feminino. 

O catolicismo ainda é uma questão ideológica das “pessoas de bem”, como se fossem únicas no mundo, uma casta que tem a chave da porta. É normal que católicos ou espiritualistas achem a posição da Igreja coerente até que descobrem no filhinho ou filhinha homoafetivos ou trans e deixam de fazer piadinhas grotescas nos encontros de “família de bem”. O jargão sair do armário enquadra bem a questão do tabu – a de que a pessoa teve que se esconder, sob a pecha de ser vilipendiada fora do resguardo, ou seja, de sua orientação no círculo visível da sociedade. O catolicismo não comunga dessa discussão tão pungente e histórica. O tema ainda se confunde com pansexualismo ou de promiscuidade, o que necessariamente não é.

Pierre Weil e Roland Tompakow escreveram um livro – O corpo fala, que a da vigésima edição e prenuncia essa linguagem além da oralidade e escrita. O romanismo católico, comedido, se contrapõe aos belos rituais de dança afro ou mesmo indígenas, com suas cores e preparos tatuados pelo corpo como celebração. Um católico jamais pintaria o corpo para ir a uma missa, mas já foi pior – o terno e a gravata, de uma liturgia de concentração e sem o lúdico dos trópicos. Que bom que somos brasileiros!

O fato atual, quanto mais a Direita avança no mundo, quem não se enquadra na ideia de normalidade sofre dores de parto por uma nova ordem, na qual todos possam ter vez e voz. Por outro lado, não se tratando de crime, cabe a cada um seu comportamento ou orientação sexual e, desde sempre, a sua autodeclaração ou silêncio válidos, não obstando em nada sua vida social ou profissional, por roupa, adereço, tatuagem, voz, gostos e fé.

Antes de se falar de deuses e demônios, caberia falar do mundo palpável, das pessoas, e destas as mais vulneráveis – isso da pregação cristã. Essas pessoas têm de ser respeitadas pelas entidades, empresas, sociedade civil, Justiça e policiais. Portanto, os líderes espirituais como o papa e outros, sob pena de contrariar a própria prática cristã que dizem professar não podem deixar a questão sob os tapetes vermelhos ou de pesados códigos carcomidos.