O desafio da conexão: energia para a nova indústria brasileira
Urge um novo olhar sobre a governança da conexão elétrica
O Brasil se aproxima de uma encruzilhada estratégica. A transformação da matriz produtiva rumo a uma economia de baixo carbono, aliada à emergência climática global, está impulsionando uma nova etapa da industrialização nacional: os projetos ultraeletrointensivos. Esses empreendimentos — que demandam altíssimos volumes de energia elétrica limpa — surgem como âncoras de uma neoindustrialização verde, capaz de reposicionar o Brasil na nova economia global. Mas, para que isso aconteça, é preciso vencer um gargalo estrutural: a conexão com o sistema elétrico.
A viabilização de projetos – como os voltados à produção de hidrogênio verde, aço de baixo carbono, combustíveis sintéticos e fertilizantes sustentáveis – depende da disponibilidade de energia em grande escala, com previsibilidade, estabilidade e custo competitivo. Atualmente, a indústria é responsável por cerca de 32% do consumo de energia no país, sendo esta energia 65% limpa devido, em especial, à participação de 22% da eletricidade – sabidamente renovável em sua quase totalidade. Porém, garantir essa vantagem da demanda energética industrial, considerando os projetos ultraeletrointensivos, extrapola, por sua natureza, os parâmetros tradicionais de consumo industrial e exige respostas igualmente excepcionais da infraestrutura de transmissão.
Hoje, muitos desses empreendimentos estão paralisados ou com cronogramas indefinidos por um motivo simples: ausência de conexão viável ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Atrasos na expansão das linhas de transmissão e na análise de pedidos de o criam incertezas, travam investimentos e geram um ciclo de paralisia em setores estratégicos para a transição energética e para o desenvolvimento regional. Esse bloqueio não representa apenas um entrave técnico: ele compromete a viabilidade de uma política industrial verde, impede o adensamento de cadeias produtivas e retarda a consolidação de novos polos econômicos no interior do país.
É preciso entender que esses projetos não são apenas consumidores. São vetores de desenvolvimento, inovação e sustentabilidade. Em regiões com alto potencial renovável, como o Norte e o Nordeste, podem induzir a industrialização descentralizada, gerar empregos de qualidade, atrair cadeias produtivas e ampliar a arrecadação local — desde que tenham o garantido à energia.
Por isso, urge um novo olhar sobre a governança da conexão elétrica. A industrialização verde brasileira exige previsibilidade regulatória, celeridade nas análises técnicas, prioridade para empreendimentos estratégicos e integração entre planejamento energético e política industrial. As diretrizes do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) precisam dialogar com os projetos estruturantes da neoindustrialização, para que geração e consumo avancem de forma coordenada.
O PDE 2034 sinaliza 30 mil km adicionais em linhas de transmissão no cenário de referência para a expansão das interligações regionais: proporcionar a integração segura de 10GW adicionais de geração renovável do Nordeste e possibilitar o aumento da capacidade de importação do Sul em até 4GW. Nesse eixo de transmissão, dimensionar o sistema para atender a grandes cargas, como data centers e hidrogênio verde, é uma condição fundamental para a matriz produtiva do país, mais sustentável e digitalizada.
Além disso, é hora de colocar a transmissão no centro da política de transição energética. Leilões regionais para expansão da malha elétrica, critérios que priorizem empreendimentos de baixo carbono e o fortalecimento institucional dos processos de outorga e licenciamento são medidas urgentes. A conexão não pode mais ser tratada como etapa secundária — ela é condição de existência.
A premissa de que a logística automaticamente conecta ofertas e demandas existentes se prova insuficiente na ausência de planejamento coordenado, ou seja, as políticas de incentivo a tecnologias emergentes de baixo carbono requerem o alinhamento com a expansão da infraestrutura. Os incentivos previstos no Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixo Carbono até 2032, por exemplo, não poderiam estar descasados da expansão das redes de transmissão.
A experiência internacional mostra que os países que lideram a nova revolução industrial são aqueles que souberam coordenar investimento público, política energética e inovação tecnológica. O Brasil reúne as condições para estar nesse grupo: possui fontes renováveis abundantes, projetos competitivos em estruturação e uma indústria nacional ávida por renovação. O que falta é conectar esse potencial.
Projetos ultraeletrointensivos não são apenas o futuro: são a escolha presente de países que compreenderam o valor estratégico da energia limpa. Para o Brasil, essa é uma oportunidade histórica de alinhar competitividade industrial, protagonismo climático e desenvolvimento regional. Mas isso só será possível se houver conexão — literal e política — entre a energia disponível e os projetos prontos para acontecer.
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