window.dataLayer = window.dataLayer || []; window.dataLayer.push({ 'event': 'author_view', 'author': 'Ricardo Queiroz Pinheiro', 'page_url': '/blog/mujica-um-homem-e-suas-circunstancias' });
Ricardo Queiroz Pinheiro avatar

Ricardo Queiroz Pinheiro

Bibliotecário e pesquisador, militante do livro e leitura, doutorando em Ciências Humanas e Sociais (UFABC)

21 artigos

HOME > blog

Mujica, um homem e suas circunstâncias

Mujica foi guerrilheiro, preso político, senador, presidente. Viveu em silêncio forçado e aprendeu a falar devagar

Ex-presidente do Uruguai José "Pepe" Mujica participa de evento que marcou 40 anos de democracia no país, em Montevidéu - 27/03/2025 (Foto: REUTERS/Martin Varela)

“Eu sou eu e minhas circunstâncias.”

A frase de Ortega y Gasset, tantas vezes usada para justificar ambivalências, aqui ganha peso real. José Mujica morreu hoje. E com ele vai uma das figuras mais singulares da política latino-americana recente — não por ser exceção, mas por ter atravessado o tempo com coerência e contradição, lado a lado.

Mujica foi guerrilheiro, preso político, senador, presidente. Viveu em silêncio forçado e aprendeu a falar devagar. Governou um país marcado por uma longa tradição republicana, que também conheceu uma ditadura violenta, com censura, repressão e tortura que ele sofreu na pele. Um país peculiar, com população reduzida e com uma escala específica de problemas. Suas decisões foram marcadas por prudência, e não por medo. Sabia que a política é terreno minado — e preferiu não pisar em todas as minas de uma vez.

Seu pragmatismo não foi apenas por cálculo — foi respeito pelas reais condições, pela experiência, pela conjuntura, pela sobrevivência coletiva. Fez reformas sociais importantes, sem prometer o que sabia não poder entregar. Não enfrentou os grandes interesses econômicos, e talvez por isso tenha conseguido avançar onde tantos naufragaram. Conciliação, ali, era tática e convicção. Gostemos ou não.

É por isso que Mujica foi transformado em símbolo: porque pareceu possível ser decente e eficaz, sem perder a humanidade no caminho. Mas o fascínio que ele desperta — sobretudo numa esquerda de classe média deslumbrada com gestos éticos e biografias limpas — chega a ser injusto para sua trajetória política muito mais complexa. Mujica é visto pelas coisas das quais abriu mão — o velhinho folclórico do fusca —, mas o que o diferencia é que nunca negou a política e seus percalços e abraçou a luta com lealdade e inteligência.

Compará-lo a Lula, como alguns fazem de modo apressado, é ignorar o essencial: o Uruguai não é o Brasil. Existe uma assimetria enorme. Mujica presidiu um país de três milhões de habitantes. Lula, um continente desigual de duzentos milhões, conseguiu alguns avanços e uma oposição implacável. Ambos conciliaram. Ambos vieram de baixo. Mas a escala, o conflito e a ferocidade são outras. Um país permite certos gestos simbólicos; o outro exige permanente reinvenção.

Hoje, Mujica se despede. Morre com ele parte de uma geração que radicalizou, se reinventou e envelheceu. Não foi herói nem mártir. Foi político — no melhor sentido da palavra. E isso, em tempos de ódio cínico, arrivismo e performance vazia, é raríssimo.

O lema dos Tupamaros, o grupo armado marxista pelo qual atuou, era claro em sua politização e contradições:

“Palabras nos dividen, acciones nos unen.”

Boa viagem, camarada.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

❗ Se você tem algum posicionamento a acrescentar nesta matéria ou alguma correção a fazer, entre em contato com [email protected].

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no Telegram do 247 e no canal do 247 no WhatsApp.

Rumo ao tri: Brasil 247 concorre ao Prêmio iBest 2025 e jornalistas da equipe também disputam categorias

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Cortes 247

Relacionados

Carregando anúncios...
Carregando anúncios...