Leão XVI: Catolicismo x Marxismo
A Igreja continuará convivendo conflituosamente com o capitalismo, destituído de humanismo, que aceita, não distribuir riquezas, mas sopas aos pobres
Rerum Novarum, encíclica de Leão XIII, de 1891, que faz a cabeça de Leão XIV, o novo papa, escolhido essa semana pelo colégio de cardeais, é um documento essencialmente conservador.
Ela veio à luz no momento em que os movimentos socialistas dos operários, organizados em sindicatos, na Europa, estavam em alta.
O Capital, de Marx, despontava como leitura obrigatória do operariado europeu, assustando a burguesia imperialista, dividida em sua cobiça de expansão territorial que levaria à Primeira Guerra Mundial.
O resultado do conflito seria a vitória da União Soviética, comunista, de um lado, e, de outro, a ascensão imperialista dos Estados Unidos, que, ao longo do século 20, seriam adversários políticos de morte.
A supremacia americana se deu em cima da divisão das potências ocidentais e consequente derrocada da Inglaterra, o império capitalista industrial do século 19, que mergulharia no abismo econômico com a derrocada do liberalismo, do laissez faire e da economia de mercado.
Os Estados Unidos estavam ancorados na ideologia nacionalista do protecionismo, como defendeu Alexander Hamilton, no famoso Relatório das Manufaturas, por meio do qual influenciou o nacionalismo americano, para industrializar o Norte contra o Sul, na Guerra de Secessão.
Venceria o Norte, e a expansão imperialista ganhou velocidade para cortar, paulatinamente, a dependência americana do colonialismo inglês, a partir do sul colonizado, para abastecer a Inglaterra de matérias primas em troca de produtos industrializados ingleses.
O Norte, que se industrializou, cortou o cordão umbilical e avançou para a expansão sem limite dos Estados Unidos, consolidada após a segunda guerra mundial.
A Europa, nesse período, final do século 19 e início do século 20, acossada pela revolução russa, que trazia a novidade do comunismo, pronto para submeter os europeus ao socialismo, era o grande fantasma que apavorava a Igreja Católica.
ANTICOMUNISMO CATÓLICO
É quando vem à tona, pelo Vaticano, a encíclica papal Rerum Novarum, de Leão XIII.
O Papa de então defendia melhores condições sociais para os trabalhadores, massacrados pela industrialização inglesa, que os submetia aos baixos salários e às longas jornadas de trabalho, combatidos pelo marxismo, com sua pregação proletária contra a propriedade privada e a supressão do capitalismo pelo modo de produção socialista.
Leão XIII saiu em defesa dos trabalhadores, pregando condições mais humanas nas relações capital x trabalho, porém, posicionou-se, radicalmente, a favor da propriedade privada como direito natural contra a propriedade coletiva, que considerava uma violência contra a individualidade.
A Doutrina Social da Igreja Católica, portanto, nasce a partir de Leão XIII, com a Rerum Novarum, e o catolicismo se transformaria em base ideológica para expansão dos partidos políticos caracterizados pela doutrina cristã, em oposição ao marxismo.
OS NOVOS DESAFIOS DA IGREJA
A Doutrina Social da Igreja Católica, oposta ao marxismo, atacou, ao longo do século 20, todos os movimentos políticos de esquerda combatentes do capitalismo, simplesmente, porque o modo de produção burguês se apoia na propriedade privada, como se fosse, segundo a Igreja, dada pela natureza.
O Vaticano ainda não aceita a propriedade privada como construção histórica social humana, a partir do trabalho, que evoluiu como processo histórico social, destinado a ser superado pelos movimentos sociais ao longo da história, conforme determina o marxismo, a partir do materialismo histórico dialético.
A propriedade é dada por Deus como dádiva ao homem, para constituição da sua família, que vem antes do Estado, como organização social; portanto, não pode ser o agente da transformação econômica quantitativa e qualitativa, conforme descreve a encíclica Rerum Novarum.
Preservar a propriedade privada é mandamento divino concedido por Deus ao homem para construção da sociedade, de modo que os antagonismos sociais entre capital e trabalho, ao longo da história do capitalismo, do modo de produção burguês, que tem sua base na exploração dos operários, por meio da mais valia e do prolongamento da jornada de trabalho, como fator essencial para multiplicação do capital, não devem ser resolvidos por conflitos de classe, mas pelo diálogo.
VATICANO E A CHINA
Leão XIV, portanto, deverá dar seguimento a Leão XIII, embora o Papa Francisco, nacionalista peronista, tenha defendido a aproximação do Vaticano da China, dominada pelo partido comunista, ancorado nos mandamentos do Manifesto Comunista, escrito por Marx e Engels, no final de 1847, início de 1848, como plataforma de defesa política dos trabalhadores, por meio dos sindicatos, na organização dos partidos socialistas, na sua luta contra o capitalismo.
Leão XIV seguirá esse conselho de Francisco, que seguiu à risca a Rerum Novarum de Leão XIII, radicalizando no combate ao capitalismo financeiro neoliberal?
Francisco se mostrou renovador, pregando o fim da desigualdade social, ao lado de defesa de modernização – não materializada, é verdade – nos costumes da Igreja Católica, relativamente, ao tratamento de homens e mulheres, na participação dos cultos, bem como combate aos abusos sexuais na Igreja e defesa dos homossexuais?
Porém, restringiu, seguindo a Rerum Novarum, o avanço da Igreja no que diz respeito à luta de classe, negando-a, para defender o diálogo, sem confrontar a propriedade privada.
Ficou, portanto, nos limites do capitalismo.
Leão XIV, na sua primeira missa, pregou apego à essência – evangelização verdadeiramente cristã – e desapego à aparência, à riqueza expressa da Igreja em patrimônio fantástico, acumulado ao longo da história de sua aproximação com os poderosos.
Mas, defenderá a distribuição da riqueza como resultado da necessária luta entra capital e trabalho?
Como Francisco, argentino, latino-americano, Leão XIV tem a sua expansão espiritual em contato direto com a América Latina, durante sua longa vivência no Peru, tornando-se peruano por opção, na sua identificação com a sofrida realidade latino-americana.
Por isso, não estaria afastada, durante seu papado, eventual propensão à defesa dos movimentos católicos revolucionários que evoluíram durante a expansão das comunidades eclesiais de base, detonadas pelas alas conservadoras do Vaticano, durante o papado conservador pró-Washington de João Paulo II, anticomunista radical, tal com o Leão XIII.
DILEMA CATÓLICO
O fato é que a Igreja Católica, com seus vais e vens ideológicos, alinhados ao capitalismo, em decorrência do seu apego à propriedade privada, em oposição ao socialismo, pregador da propriedade coletiva, como evolução espiritual superior, dificilmente, livrar-se-á de Leão XIII, defensor de um alinhamento abstrato entre capital e trabalho, excluído da luta de classe, que não tem conseguido levar o mundo à paz.
Pelo contrário, a financeirização econômica global, suprassumo do capitalismo em crise, cada vez mais destituído de valores humanos, aprofunda o mundo em guerras e corridas armamentistas, porque o âmago da macroeconomia capitalista é, justamente, a guerra, cujo financiamento é prioridade absoluta dos orçamentos públicos das principais potências em conflito.
Nesse cenário cheio de escuridão, como disse Leão XIV em sua primeira missa como novo Papa, a Igreja continuará convivendo conflituosamente com o capitalismo, destituído de humanismo, que aceita, não distribuir riquezas, mas sopas aos pobres, massacrados, cada vez mais, pela luta de classe que a Rerum Novarum, que ele defende, insiste em negar que existe.
Previsivelmente, conforme suas limitações ideológicas, Leão XIV continuará resistindo à organização dos trabalhadores por meio de greves e lutas contra a exploração da mais valia e das extensas jornadas de trabalho, seu instrumento histórico de luta, para preservar a qualquer custo o que considera direito natural, a propriedade privada, dádiva de Deus, aos olhos e sentidos do Vaticano, cada vez mais alvo de denúncias de corrupção e abandono dos fiéis.
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