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Sara York

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Júnior é bacharel em Jornalismo, licenciada em Letras Inglês, Pedagogia e Letras vernáculas. Especialista em educação, gênero e sexualidade, primeiro trabalho acadêmico sobre as cotas trans realizado no mestrado e doutoranda em Educação (UERJ) com bolsa CAPES, além de pai, avó. Reconhecida como a primeira trans a ancorar no jornalismo brasileiro pela TVBrasil247.

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Futurotopia: como os jovens brasileiros enxergam o futuro (III)

Onde há conhecimento, há perigo para os que lucram com a ignorância

Jovens (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), perguntei a um grupo de estudantes de graduação: "Como vocês enxergam o futuro?" O silêncio e logo depois, vieram palavras como "incerteza", "medo", "ansiedade", "luta" - mas também "sonho", "transformação", "resistência". Essa dicotomia entre o pavor e o desejo de mudança ecoa com força nos dados do Relatório de Futuros 2025, desenvolvido em parceria com o movimento Teach the Future Brasil, que nos oferece um retrato urgente e necessário sobre como a juventude brasileira percebe o amanhã. (Terceira parte)

3.⁠ ⁠A educação como lugar de reconstrução

Diante desse cenário, cabe perguntar: o que pode a escola? O que pode o professor, a professora, o corpo docente que enfrenta as ausências estruturais do Estado?

O mesmo relatório aponta que apenas 31% dos jovens acreditam que a escola os prepara para o futuro. A crítica é justa: nosso sistema educacional, com raras exceções, segue operando como máquina de reprodução de desigualdades. Mas há fissuras. Há projetos, há práticas pedagógicas insurgentes que buscam formar não apenas para o mercado, mas para o mundo.

Gian Carlo, professora de história da rede pública e ativista por uma educação antirracista, aponta: "Precisamos educar para o pensamento crítico, para o afeto, para a construção de futuros que não repitam o ado. Isso inclui falar sobre racismo, homofobia, misoginia - e também sobre utopia."

3.⁠ ⁠Os gritos que não cabem no ENEM

A saúde mental é um dos pilares dessa discussão. Em entrevista, a educadora Maria Teresa Avance, colaboradora do Todos pela Educação, alerta: "Estamos vendo um aumento preocupante de quadros de depressão, automutilação e ansiedade entre jovens. Isso não é só individual: é social, estrutural. A juventude está nos dizendo que não aguenta mais."

E não aguenta mesmo. Porque o presente, para muitos, já é um fardo inável. Atravessar a adolescência e juventude no Brasil é, para milhares, uma experiência de violência constante - física, simbólica, econômica e afetiva. Como sonhar o futuro se o agora é dor? Quando a intersecção entre gênero, raça e sexualidade impõe limites à própria existência, a construção de um projeto de vida torna-se quase uma utopia. Mulheres seguem sendo assassinadas a uma taxa assustadora de 4,8 por dia. A cada três, uma vive a realidade da violência doméstica. E nós, travestis, ainda enfrentamos a menor expectativa de vida do continente. Esses números não são estatísticas frias: são gritos abafados, corpos silenciados, futuros interrompidos.

Nesse contexto, o ENEM 2025 se aproxima como uma promessa, mas também como um paradoxo. As inscrições, abertas de 26 de maio a 6 de junho, representam a tentativa de muitos jovens de ultraar as barreiras do agora para conquistar algo mais adiante. Mas como esperar que esses mesmos jovens cheguem a essa prova com saúde mental preservada, com autoestima fortalecida, com a segurança de quem acredita que seu esforço terá retorno? Não basta garantir o técnico ao exame. É preciso garantir condições emocionais, afetivas e sociais para que cada jovem possa realmente disputar seu lugar com dignidade.

Estudar é, sim, importante - e há dicas valiosas: revisar conteúdos, fazer simulados, se familiarizar com o formato das provas. Mas nada disso substitui o cuidado com o ser. A preparação verdadeira começa com um ambiente que acolha, que escute, que proteja. É por isso que saúde mental não é luxo. É necessidade básica. E é dever do Estado, da escola e de toda a sociedade reconhecê-la como tal.

Quando o ENEM é tratado apenas como um teste, esquecemos que ele é, para muitos, a única porta possível para a transformação de suas histórias. Por isso, ele precisa ser mais que uma prova: deve ser precedido por políticas de escuta, por proteção às juventudes marginalizadas, por investimentos que levem em conta as múltiplas violências que atravessam corpos dissidentes. 3. A educação como lugar de reconstrução

Diante de um cenário onde o presente se impõe como um peso e o futuro é visto com desconfiança, cabe perguntar: o que pode a escola? O que pode a professora, o professor, o corpo docente que, cotidianamente, enfrenta as ausências estruturais do Estado?

O Relatório de Futuros 2025, realizado em parceria com o movimento Teach the Future Brasil, revela que apenas 31% dos jovens brasileiros acreditam que a escola os prepara para o futuro. Essa crítica não é infundada: a estrutura educacional, historicamente desigual, segue, em grande parte, como uma engrenagem de reprodução de injustiças. Mas há frestas. Há educadores e educadoras insurgentes, há práticas pedagógicas que se recusam a normalizar a exclusão. Há resistência.

A professora Carla Akotirene, por exemplo, com sua atuação interseccional e antirracista, nos lembra que educar é também formar para o enfrentamento das estruturas de opressão. Como ela afirma: "Educar para a liberdade exige nomear o que nos prende - racismo, sexismo, LGBTQIA+fobia, capacitismo - e também cultivar o que nos liberta: o afeto, o pensamento crítico, a imaginação política."

Mas nenhuma prática educativa transformadora se sustenta sozinha. É preciso que os governos municipais, estaduais e federal atuem em rede, de forma coordenada, garantindo o mínimo para que a juventude permaneça na escola - com dignidade. Parece simples, mas ainda é exceção: em algumas cidades, por exemplo, o transporte público é gratuito no dia do ENEM; em outras, não. Essa falta de uniformidade escancara um problema crônico: políticas públicas educacionais que não se falam entre si, que não funcionam como política de Estado.

E mesmo assim, apesar do desmonte e da negligência, a educação continua sendo o que sempre foi para muitos: caminho de liberdade e transformação. Por isso é tão atacada por forças conservadoras: porque onde há conhecimento, há perigo para os que lucram com a ignorância.

Não basta abrir a inscrição: é preciso garantir que quem se inscreve consiga chegar. E mais do que isso - que consiga permanecer vivo, inteiro, digno. Porque sonhar o futuro só é possível quando o presente deixa de nos esmagar.

Amanhã tem mais!

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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