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Leonardo Sobreira

Jornalista, editor-executivo do Brasil 247. Mestre em pensamento político comparado pela SOAS

4 artigos

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Em Teerã, líder Houthi propõe aproximação com Brasil e afirma que papel do grupo é apoiar os pobres e oprimidos

Ebrahim Al-Dailami elogia o presidente Lula, critica EUA e Israel e declara: 'ajudamos os pobres; quem fizer maldade, será enterrado'

Embaixador do Iêmen no Irã, uma das principais lideranças dos Houthis, Ebrahim Al-Dailami concede entrevista a jornalistas brasileiros da mídia independente - Teerã, Irã - 07/06/2025 (Foto: Luiz Carlos Azenha)

Por Leonardo Sobreira*

Sob um clima carregado de tensão e olhares atentos, cada segundo parecia se arrastar sob o peso de uma ameaça invisível. Estaria um ataque sionista prestes a atingir o coração de Teerã? 

Em meio a um rígido esquema de segurança, quatro jornalistas brasileiros da mídia independente--Leonardo Sobreira (Brasil 247), Pedro Marin (Opera Mundi), Luiz Carlos Azenha (Revista Fórum) e Nicolau Soares (Brasil de Fato)--aguardavam, apreensivos, a chegada de Ebrahim Al-Dailami.

O embaixador do Iêmen no Irã, que também representa o movimento Ansar Allah --conhecido internacionalmente como Houthis--, era descrito como alguém que jamais permanecia mais de trinta minutos no mesmo local. Mas, naquela tarde, ele parecia desafiar essa regra: já se aproximava de uma hora de espera pela entrevista exclusiva que havíamos conseguido marcar. Quando enfim chegou, a conversa se estendeu por cerca de uma hora e meia.

Enquanto isso, seus seguranças--quatro homens imponentes, de físico robusto e postura intimidadora--vasculhavam o salão com minuciosidade. Revistaram frestas, examinaram as saídas de ar e acompanharam com atenção cada movimento próximo às câmeras. O temor de que um míssil israelense pudesse despencar sobre o local era real--ou, quem sabe, uma bomba plantada por agentes secretos. O risco era concreto. 

Foi nesse clima de tensão palpável que o embaixador finalmente surgiu. Usando sandálias e trajando o vestuário tradicional dos Houthis, empunhava um cajado esculpido com a cabeça de uma águia em madeira--uma possível alusão ao símbolo nacional dos Estados Unidos, maior aliado de Israel na guerra contra os países islâmicos? Na cintura, repousava uma adaga ornamentada.

Apesar da imponência visual, o jovem embaixador se apresentou com serenidade, um sorriso leve no rosto e um ar jovial. Cumprimentou os jornalistas com cortesia, e, pouco a pouco, a tensão no ambiente começou a se dissipar.

A conversa mal havia começado, e ele já expressava carinho pelo Brasil. “Há algo em comum entre o Iêmen e o Brasil, sabem o quê? O café. A origem do café brasileiro é o Iêmen. O cafeeiro, as sementes do café, foram levadas por viajantes portugueses, do Iêmen para o Brasil, há aproximadamente 400 anos". 

Durante toda a entrevista, o tom se mantinha sereno, mas a firmeza no olhar do embaixador não vacilava. Sem demonstrar qualquer receio diante da possibilidade de todos sermos incinerados por um ataque de drone israelense, ele sentenciou:

“Nosso sangue não é mais precioso que o sangue dos palestinos". Para ele, a causa defendida pelos Houthis tem um propósito claro--e universal: “ajudamos o povo pobre". 

Aliança com o Brasil e iração por Lula - Al-Dailami defendeu que o Brasil e a América Latina compartilham uma trajetória de resistência contra a hegemonia ocidental. “Nós acreditamos que o Brasil e muitos países e governos da América Latina estão apoiando sinceramente a causa palestina”, disse. 

O embaixador prestou elogios diretos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “O líder de vocês, Lula da Silva, tem posições sobre questões árabes, especialmente sobre a questão palestina, que são bem conhecidas, e nós as apreciamos e respeitamos muito". Al-Dailami aproveitou o encontro para lançar um apelo direto: “Esperamos e ansiamos pelo estabelecimento de relações econômicas, políticas e diplomáticas entre o Iêmen e o Brasil.” 

Contudo, atualmente, o Brasil não reconhece oficialmente o governo Houthi, que controla a capital iemenita, Sanaa, desde 2014.

Lutamos, e vencemos, os Estados Unidos da América - O diplomata contou que a recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de interromper bombardeios contra os Houthis, foi resultado de uma campanha militar imperialista malsucedida e de uma posterior mediação com Omã. 

“Consideramos que o que aconteceu nesta mediação entre nós e Trump foi uma vitória para o Iêmen e um fracasso, um recuo e uma derrota para os americanos", afirmou. 

Segundo ele, a resposta Houthi às agressões ocidentais foi direta: “As forças armadas iemenitas atacaram porta-aviões no Mar Vermelho que estavam atacando o Iêmen, principalmente o porta-aviões Harry Truman". 

Al-Dailami foi taxativo: “Abatemos cerca de vinte drones chamados MQ-9 […] Também abatemos três F-18. […] Quando eles matarem alguns de nós, nós mataremos alguns deles". 

Simples assim. 

Pobreza não é ausência de dignidade - Mesmo sob sanções e bloqueios, o embaixador vê um futuro promissor para o empobrecido Iêmen: “Estamos caminhando com a produção […] construímos um exército forte e profissional". 

Ele destacou a juventude como a maior riqueza do país: “Nosso povo é composto por aproximadamente 40 milhões de pessoas. 75% deles são jovens. Nosso povo é bem educado, corajoso e muito ativo".

Al-Dailami fez um paralelo com países do Golfo, ricos em petróleo, mas, segundo ele, submissos e sem uma identidade civilizacional real. “Eles têm muito dinheiro e capacidade financeira, mas não têm dignidade". 

O cemitério dos maldosos - E seguiu, com um leve sorriso no rosto: "O que eu quero dizer: todos aqueles que vieram ao Iêmen para atacar o Iêmen, nós os enterramos lá. É por isso que o Iêmen é chamado de cemitério dos invasores", disse, fazendo alusão aos grandes cemitérios destinados a norte-americanos, sauditas e turcos.

"A propósito, também temos um cemitério muito pequeno, como esta sala, para os portugueses", brincou, fazendo uma pausa significativa antes de pronunciar "portugueses" --o suficiente para aumentar a tensão entre nós, brasileiros.

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A adaga e o cajado de Ebrahim Al-Dailami chamam atenção. Na ponta do cajado, a figura de uma águia: uma provocação simbólica aos Estados Unidos? (Foto: Luiz Carlos Azenha)

Defesa da Palestina contra genocídio e o vigor do povo iemenita - Al-Dailami destacou que o apoio à Palestina contra o genocídio perpetrado pelo regime de Israel não é uma decisão militar, mas fruto de um clamor popular. “Foi o povo que saiu às ruas exigindo que as forças armadas apoiassem a Palestina, em manifestações de milhões de pessoas". 

Para ele, a compaixão do combativo povo iemenita pelos palestinos nasce da identificação com a injustiça e da solidariedade aos mais pobres. “Não podíamos ficar parados”, afirmou. “Vimos que as Nações Unidas não ajudaram os palestinos […], então decidimos ajudar". 

Uma questão humana, não apenas islâmica - Ao comentar o apoio crescente de países como Brasil, Colômbia e México à Palestina, ele foi categórico: “A questão palestina não é apenas uma questão islâmica, é também uma questão humana".

E aproveitou para criticar duramente os governantes de países árabes alinhados ao Ocidente, que tapam os olhos diante do genocídio de seus irmãos muçulmanos em Gaza: “Esses governantes são espiões, não apenas agentes […] não surgiram da vontade do povo". 

Para o embaixador, “essa realidade não durará e mudará, e o povo do mundo, se Deus quiser, dará sua posição e se levantará contra sua opressão". 

'Não tenho medo de morrer' - Sobre sua segurança pessoal, o embaixador rejeitou preocupações. “Estamos sempre prontos, somos guerreiros e não tememos ninguém além de Deus Todo-Poderoso".

Ele citou versos do Alcorão e ensinamentos do Imam Ali: “Se vocês estão vivos, mas oprimidos, isso é morte. A vida está na sua morte como guerreiros". 

Troca de café recusada com bom humor - Ao final da entrevista, os jornalistas lamentaram não terem trazido café brasileiro como presente. A resposta de Al-Dailami veio com riso e orgulho: 

“Não, diga a eles que não aceitaríamos café brasileiro. Pelo contrário, seremos nós que lhe daremos café iemenita, para vocês verem o que é café!”.

Enquanto escrevo este relato, saboreio o café mais aromático e saboroso, naturalmente adocicado, que já experimentei--uma iguaria de valor incalculável iemenita, oferecida a nós como presente.

Ebrahim Al-Dailami
À medida que o clima se amenizava, o jovem embaixador Houthi, antes sóbrio e sisudo, deixou escapar um raro sorriso (Foto: Luiz Carlos Azenha)

Saiba mais sobre os Houthis - O Brasil não reconhece oficialmente os Houthis como governo legítimo do Iêmen. As relações diplomáticas foram estabelecidas com os antigos Iêmen do Norte e Iêmen do Sul, posteriormente unificados na atual República do Iêmen. 

O conflito no Iêmen se arrasta há mais de uma década, desde que os Houthis tomaram o controle da capital, Sanaa, e de províncias ao norte e centro do país. A guerra se intensificou com a intervenção militar da coalizão liderada pela Arábia Saudita, em apoio ao governo reconhecido internacionalmente.

A ONU impôs sanções ao grupo Ansar Allah, incluindo um embargo de armas, e estima que mais de 20 milhões de iemenitas--68% da população--precisam de assistência humanitária. O Brasil defende um cessar-fogo duradouro, com base em processo político inclusivo sob mediação da ONU, e pleiteia a remoção de obstáculos à ajuda humanitária.

Trump reinstaurou a classificação dos Houthis como organização terrorista, medida que havia sido revogada por Joe Biden. A recente escalada militar entre os EUA e os Houthis, agora interrompida, envolveu bombardeios indiscriminados em larga escala e o uso de mais de 2.000 bombas e mísseis, totalizando gastos superiores a US$ 1 bilhão. A mediação de Omã levou ao anúncio de um cessar-fogo entre Washington e os Houthis após meses de ataques e retaliações no Mar Vermelho.

Os Houthis lançaram centenas de mísseis e drones contra Israel desde o final de 2023, em solidariedade ao povo palestino, onde Israel continua sua guerra genocida. A maioria desses ataques foi interceptada por sistemas de defesa antimísseis, mas alguns atingiram o território israelense. Israel respondeu com vários ataques aéreos de grande escala contra o Iêmen, incluindo em portos, usinas de energia, fábricas e o aeroporto de Sanaa.

Leia a entrevista completa 

PM: Donald Trump recentemente disse que vai parar de bombardear os Houthis no Iêmen. Houve algum acordo entre o Iêmen e Donald Trump? (Pergunta de Azenha)

ED: Em nome de Deus, em primeiro lugar, eu, frente a profissionais da mídia do Brasil, um país amigo, estendo minhas saudações e respeito ao governo brasileiro e ao povo irmão brasileiro. Nós acreditamos que o Brasil e muitos países e governos da América Latina estão apoiando sinceramente a causa palestina. De fato, acreditamos que os povos da América Latina estão muito próximos dos povos de nossas nações árabes e islâmicas, pois sofrem do mesmo sofrimento que nós. No topo desses desafios comuns estão aqueles enfrentados por nossos países e povos, vocês e nós; o problema da hegemonia europeia e americana. E  claro que nunca vamos esquecer de destacar que o líder de vocês, Lula da Silva, tem posições sobre questões árabes, especialmente sobre a questão palestina, que são bem conhecidas, e nós as apreciamos e respeitamos muito.

Por meio desta entrevista, esperamos e ansiamos pelo estabelecimento de relações econômicas, políticas e diplomáticas entre o Iêmen e o Brasil. Há algo em comum entre o Iêmen e o Brasil, sabem o que? O café. A origem do café brasileiro é o Iêmen. O cafeeiro, as sementes do café, foram levadas por viajantes portugueses, do Iêmen para o Brasil, há aproximadamente 400 anos.

Em relação à sua pergunta sobre Trump: como vocês sabem, um massacre, um genocídio, está ocorrendo na Palestina há quase vinte meses. A República do Iêmen, as Forças Armadas do Iêmen e o povo iemenita assumiram a responsabilidade de apoiar a Palestina e defender o povo oprimido de Gaza contra a agressão israelense. Como vocês sabem, esta agressão a Gaza é apoiada pelas potências sionistas ocidentais, lideradas pela Europa e pelos Estados Unidos. É claro que os Estados Unidos e a Europa tentaram impedir que o Iêmen apoiasse a Palestina. Formaram uma coalizão naval para impedir que o Iêmen apoiasse a Palestina. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha atacaram o Iêmen, ataques feitos por aviões de guerra, durante o mandato do presidente Biden. Quando a agressão a Gaza foi retomada, Trump prosseguiu com a agressão ao Iêmen para nos impedir de apoiar a Palestina, e disse naquela época que exterminaria os iemenitas e os enviaria para o inferno.

Ele pensou que tais declarações nos aterrorizariam, nos fariam ter medo, e fariam com que parássemos de apoiar a Palestina, mas decidimos confrontá-lo. As forças armadas iemenitas atacaram portas-aviões no Mar Vermelho que estavam atacando o Iêmen, principalmente o porta-aviões Harry Truman. E Trump ficou surpreso.

Porque estamos acostumados ao fato de que quando portas-aviões se aproximam da costa de qualquer país, esse país se rende e se submete à América, mas no Iêmen aconteceu o oposto, pois o Iêmen está atacando os portas-aviões com drones e mísseis,. Abatemos cerca de vinte drones chamados MQ-9, que são o orgulho da indústria americana de drones. Também abatemos três F-18. As forças de defesa aérea do Iêmen também quase abateram um F-35, mas ele sobreviveu milagrosamente. Impedimos a agem de navios de guerra e civis americanos pelo Mar Vermelho. 

Trump anunciou que abriria a rota de navegação para navios americanos à força. Mas ele falhou. 

Claro que você sabe que nós apenas estávamos impedindo a agem de navios israelenses, e não os navios do resto do mundo. Mas Trump disse que abriria caminho para navios americanos e também para os israelenses.

Nós dissemos, e as forças armadas anunciaram antes da agressão americana contra nós, que só tínhamos como alvo navios israelenses, mas quando Trump atacou o Iêmen, incluímos os navios americanos entre nossos alvos. É importante dizer que o motivo para impedir a agem de navios americanos pelo Mar Vermelho é que os americanos atacaram o Iêmen. Quando Trump falhou em abrir caminho para navios americanos e israelenses e falhou em eliminar as capacidades de mísseis e a liderança iemenita, ele solicitou assistência ao Sultanato de Omã. Trump pediu aos omanenses que mediassem conosco. Ele disse que os americanos se ofereciam a parar de bombardear o Iêmen em troca de permitir que seus navios e navios israelenses assem pelo Mar Vermelho. Dissemos a ele que o impedimento aos navios israelenses está ligado à interrupção da agressão em Gaza e ao levantamento do cerco a Gaza.

Quanto à Marinha americana, ela costumava ar com segurança até os Estados Unidos atacarem o Iêmen. No ado, ela costumava ar sem problemas. Então os americanos voltaram e fizeram uma nova oferta, que era permitir que navios americanos assem pelo Mar Vermelho em troca do fim da agressão contra o Iêmen, e com a mediação de Omã, nós aceitamos. E os americanos até o último momento tentaram nos impedir de atacar a entidade sionista com mísseis. 

Finalmente, os americanos concordaram em parar de atacar o Iêmen em troca da permissão para a agem de navios americanos e da continuação do nosso ataque a Israel. Ele finalmente concordou, ou seja, disse: 'Ataquem Israel. Não tenho nada a ver com isso.' Consideramos que o que aconteceu nesta mediação entre nós e Trump foi uma vitória para o Iêmen e um fracasso, um recuo e uma derrota para os americanos.

Há uma semana, o porta-aviões Harry Truman retornou à América. Os americanos comemoraram o retorno seguro de seus marinheiros. Como vocês sabem, todos os porta-aviões que costumavam retornar à América eram recebidos com alegria, quando eram considerados vitoriosos, mas não porque retornassem em segurança. Esta é a vitória iemenita materializada no que aconteceu. O porta-aviões americano não conseguiu atingir seus objetivos no Iêmen e não conseguiu nenhuma vitória. Então essa é a primeira pergunta, desculpe a resposta tão longa, mas é necessária .

PM: O embaixador falou dessa unidade entre povo, exército e governo do Iêmen em solidariedade à Palestina. Recentemente houve um ataque do Iêmen contra Israel, contra os Territórios Ocupados, além de uma série de outras ações nos últimos meses. Por que os iemenitas, mesmo tendo ado por situações tão complicadas nos últimos anos, com guerras, com bombardeios da Arábia Saudita, se mantêm firmes, fazendo ações contra Israel e em solidariedade a Gaza? De onde vem essa firmeza? (Pergunta de Marin)

Boa pergunta. A amizade entre o povo iemenita e palestino não é nova. Nós, no Iêmen, sofremos injustiças e conhecemos a injustiça. Nossa compaixão pelos nossos irmãos palestinos foi maior porque sentimos a tragédia e a injustiça a que os palestinos estão expostos. Graças a Deus, quando esta batalha começou na Palestina, todo o povo iemenita saiu em manifestações, exigindo que o exército iemenita e o governo iemenita interviessem nesta batalha ao lado dos palestinos. 

Isso significa que a decisão de apoiar não foi tomada pelas forças armadas. Foi o povo que saiu às ruas exigindo que as forças armadas apoiassem a Palestina, em manifestações de milhões de pessoas. 

Quando percebemos que o mundo inteiro, infelizmente, ou a maioria dos países do mundo, apoiava Israel, não podíamos ficar de braços cruzados, assistindo o mundo inteiro apoiar Israel enquanto ninguém apoiava ou ajudava os palestinos. Vimos que as Nações Unidas não ajudaram os palestinos e não conseguiram impedir a guerra. Vimos que o direito internacional não fez nada pelos palestinos, nem a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica. 

Mas não podíamos ficar parados, então decidimos ajudar. Concluindo, nos sentimos injustiçados e sentimos o que os oprimidos sentem, e é nossa obrigação ajudá-los.

PM: Qual é a situação do Iêmen após tantos anos de guerra? Como você vê o futuro do Iêmen? (Pergunta de Soares)

Em primeiro lugar, os problemas não estão apenas no Iêmen, o mundo inteiro está sofrendo problemas. A base desses problemas é a hegemonia e a busca pelo controle dos povos pelo Ocidente colonial, liderado pelos Estados Unidos. A base dos problemas do mundo inteiro é a hegemonia do Ocidente e sua busca por apropriar-se das riquezas dos povos. 

Perceba que há uma guerra na Ucrânia, entre a Ucrânia e a Rússia, que já dura cerca de três anos, e há algumas semanas houve conflitos entre o Paquistão e a Índia, além de haver guerras no Sudão, na Líbia e na Palestina, o que significa que o mundo inteiro está ardendo em problemas e guerras; todas provocadas por esses países. Há também países que foram e ainda estão sancionados, como a República Islâmica do Irã, que sofre com um cerco e ameaças contínuas.

O problema do futuro do Iêmen: pensamos que, se Deus quiser, será um bom futuro, pois nosso país está caminhando em direção ao aumento da produção agrícola e industrial e alcançando a autossuficiência. Estamos fazendo isso para nos livrar dos efeitos do bloqueio no Iêmen, porque há um bloqueio econômico no Iêmen; então estamos caminhando com a produção. Também construímos um exército forte e profissional e fabricamos todas as nossas necessidades militares.

Além disso, a localização do Iêmen é muito importante, sua localização geopolítica. E o Iêmen tem alguns recursos: gás, petróleo, peixes e minerais. Contudo, nossa principal riqueza é o nosso povo. Nosso povo é composto por aproximadamente 40 milhões de pessoas. 75% deles são jovens. Nosso povo é bem educado, corajoso e muito ativo; não tem preguiça. 

Estamos falando do Iêmen, que é chamado de cemitério dos invasores. O Iêmen é chamado de cemitério dos os ocupantes, o que significa que é o cemitério do colonialismo. Temos um cemitério muito grande para os turcos no Iêmen. Temos um cemitério maior para os ingleses. Temos um grande cemitério para egípcios. Nos últimos anos, derrotamos a Arábia Saudita e os americanos em uma derrota esmagadora, e estamos preparando um cemitério para eles também. A propósito, também temos um cemitério muito pequeno, como esta sala, para os portugueses. Portugueses, não brasileiros. Portugueses! Eles vieram para colonizar o Iêmen e nós os enterramos. 

O que eu quero dizer: todos aqueles que vieram ao Iêmen para atacar o Iêmen, nós os enterramos lá. É por isso que o Iêmen é chamado de cemitério dos invasores. Nós no Iêmen temos uma grande sentimento pela liberdade, queremos ser livres. É verdade que dizem que o Iêmen é pobre e seu povo está enfraquecido, mas nós somos livres. Para nós, pobreza e fraqueza são pobreza e fraqueza de dignidade, não de capacidades. 

Por exemplo, você acompanhou a visita de Trump aos estados do Golfo. Alguns países árabes do Golfo, como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Catar, têm muito dinheiro e capacidade financeira, mas não têm dignidade. Ele tirou bilhões deles. Veja a diferença. Ele veio para pegar o dinheiro deles, mas não deu importância a eles; e veio lutar contra nós, e nós o derrotamos. Veja a diferença.

entrevista
Sobreira se estica o quanto pode para enquadrar uma imagem central de Ebrahim Al-Dailami, vigiado de perto pelos olhos implacáveis dos seguranças (Foto: Luiz Carlos Azenha)

PM: O senhor mencionou o presidente Lula e sua posição sobre a Palestina. Há outros países que não são islâmicos, como Colômbia e México, e que estão se posicionando também neste momento. Qual é a importância disso? (Pergunta de Sobreira)

A questão palestina não é apenas uma questão islâmica, é também uma questão humana. É por isso que eu disse a vocês no início da reunião que valorizamos e apreciamos as posições dos países latino-americanos em relação à causa palestina. Isso é uma prova da sua humanidade e liberdade.

Por estarem na América Latina, devido à sua proximidade com os Estados Unidos, vocês conhecem a extensão dos crimes, da brutalidade e da agressão dos Estados Unidos da América. Vocês sabem disso melhor do que outros.

Além disso, há as posições vergonhosas e infames de alguns países islâmicos, como resultado do fato de que os governantes desses países árabes e islâmicos são, infelizmente, traidores, agentes trazidos pelo colonialismo para governar esses países. Você sabe que não há democracia nesses países, alguns árabes e islâmicos, e não há eleições sérias e reais. Pelo contrário, quem governa esses países é um grupo de espiões. Não há eleições e não há liberdade. 

Eu lhes digo que esses governantes são espiões, não apenas agentes. Esses governantes não surgiram da vontade do povo. Eles surgiram por meio de planos, conspirações e operações de inteligência realizadas pelo colonialismo. Isso não acontece apenas em países árabes e islâmicos, mas também em alguns países latino-americanos. Há governantes espiões, e na Ásia e na África também; em todos os lugares.

Esses governantes não trabalham pelos interesses de seu povo, mas sim pelos interesses do colonialismo. Na verdade, não gostamos ou desgostamos do uso do termo colonialismo, mas preferimos o termo “estados imperialistas”. Mas essa realidade não durará e mudará, e o povo do mundo, se Deus quiser, dará sua posição e se levantará contra sua opressão e rejeitará essa hegemonia. 

A Palestina será livre. E Israel desaparecerá.

PM: Houve o assassinato de um líder sênior do Hamas, Ismail Haniyeh, aqui no Irã. Você não se preocupa com a sua segurança pessoal? (Pergunta de Azenha)

Primeiro, o Irã é um país forte e grande, com grande segurança. A segunda coisa é que estamos sempre prontos, somos guerreiros e não tememos ninguém além de Deus Todo-Poderoso.

Outra coisa: nosso sangue não é mais precioso que o sangue dos palestinos. Temos um provérbio no Iêmen que diz: "Tudo o que desce do céu inevitavelmente atingirá a terra". Isso significa que o destino – a ordem de Deus – está decidida. Diz também um versículo do Alcorão: "Quando chegar a sua hora, eles não a adiarão nem uma hora, nem a adiantarão".

E outro versículo: “E com Ele estão as chaves do invisível. Ninguém as conhece, exceto Ele. E Ele sabe o que está na terra e no mar. Nenhuma folha cai sem que Ele saiba. E não há grão algum nas trevas da terra, nem coisa úmida ou seca que não esteja escrita em um livro claro.”

O Comandante dos Fiéis e Mestre dos Guardiões, Imam Ali, que a paz esteja com ele, diz: “Saibam que sua vida, enquanto vocês são oprimidos, é morte, e sua morte, enquanto vocês são vitoriosos, é vida.” 

Isso significa que se vocês estão vivos, mas são humilhados, isso é morte. Isso não é vida. Se vocês estão vivos, mas oprimidos, isso é morte. A vida está na sua morte como guerreiros, o que significa que vocês vivem quando são martirizados e derrotam e conquistam seu inimigo com seu martírio. 

O Imam Ali, que a paz esteja com ele, também diz: “O mujahid [combatente] não deve dormir muito, mas sim permanecer acordado e alerta e não dormir, porque se ele dormir, seu inimigo não dormirá.” 

O inimigo e os inimigos sabem que quando eles nos atacarem, não ficaremos de braços cruzados, mas responderemos ao ataque. E quando eles matarem alguns de nós, nós mataremos alguns deles. 

Deus Todo-Poderoso diz: “Portanto, quem quer que vos ataque, atacai-o na mesma proporção em que ele vos atacar.” Este é o Alcorão. O mais importante aqui é que não somos nós que iniciamos a agressão. O Alcorão exige que não iniciemos a agressão, isto é, que não iniciemos a agressão contra ninguém, exceto aquele que nos atacou.

PM: Não sabíamos que iríamos te encontrar. Se soubéssemos, teríamos trazido um pacote de café brasileiro para você. 

Não, diga a ele que não aceitaríamos café brasileiro. Pelo contrário, seremos nós que lhe daremos café iemenita, para vocês verem o que é café!

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Ao término da entrevista, os anfitriões iranianos do Instituto Khayyam e o tradutor de português que nos acompanhou durante toda a viagem posaram para uma foto ao lado do embaixador e dos jornalistas Luiz Carlos Azenha, Pedro Marin, Nicolau Soares e Leonardo Sobreira --da esquerda para a direita. (Foto: Luiz Carlos Azenha)

*Leonardo Sobreira é editor-executivo do Brasil 247 e esteve em Teerã a convite oficial entre 01/06/2025 e 08/06/2025.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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