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"Você tem a marca do sol na alma, moço. É filho de quem?". "De José Severino da Silva e Dona Neide Truká", respondeu. Luzia sorriu, como se aquela resposta confirmasse algo que ela já sabia. Tereza, curiosa, ergueu os olhos e os dois se entreolharam por um instante que pareceu se ar em câmera lenta. Uma conexão se formara. Dali a poucas semanas, Totinha encontrou uma desculpa para voltar a Cajazeiras. ava um mês, de novo. Como não tinha mais gado para tocar, ele levava rapadura, fazia trocas e pequenos serviços. Foi conhecendo o pessoal da região e até conseguiu um emprego numa fazenda de um conhecido de Luzia. Aos sábados, ele acompanhava Tereza até a feira. Ela, por sua vez, gostava de ouvir suas histórias de vaquejada, das noites sob o céu estrelado de Serrita, da Missa do Vaqueiro.   Depois de alguns anos vivendo em Cajazeiras, Totinha e Tereza decidiram partir para outras quebradas do sertão. Tereza queria um lugar melhor, onde pudesse plantar seu quintal e criar os filhos com cheiro de terra e fogão a lenha. Totinha, por sua vez, sentia falta do barulho dos cascos dos bois e do horizonte largo. Mas Luzia já havia deixado sua terra no sopé da serra do Horto, em Juazeiro do Norte, para seguir os os de Zé Raimundo. Já não sentia mais tantas forças para se mudar de seu pedaço de chão em Cajazeiras para acompanhar vidas de outras pessoas, ainda que sua filha querida e seu genro querido. Luzia decidiu ficar. A vida, enquanto isso, segue.  Foi então que ouviram falar de Cabaceiras, quando nem sonhava em ser a famosa "Roliúde Nordestina" pelas gravações de filmes. Que lá tinha uma beleza rara, onde o céu se encontra com a vastidão da caatinga e desenha um horizonte de tons dourados e avermelhados. Entre pedras talhadas pelo tempo e cactos que desafiam o calor, surgem veredas silenciosas por onde am vaqueiros montados, conduzindo o gado com calma e destreza. Pequenos açudes reluzem aqui e ali como espelhos d’água cercados de mandacarus e juazeiros, e, quando a chuva chega — ela sempre vem —, num instante transforma a terra seca em um verde inesperado, pontilhado por flores miúdas e vibrantes. Tereza confirmou que era tudo verdade. Estabeleceram-se em um sítio de quase dois hectares de terra chamado Várzea da Onça, na região da Trincheira, mais ou menos próximo ao rio Taperoá, onde a água era pouca, mas teimosa. Ali, Totinha construiu com as próprias mãos a casa - primeiramente de taipa e depois de alvenaria, o curral, o galinheiro e o alpendre de sombra boa, onde gostava de ficar olhando o entardecer. Preparou o solo de uma área próxima à casa para as plantas e ervas como Luzia gostaria. Tereza cultivava milho, feijão de corda, batata-doce, macaxeira, e criava galinhas e bodes. Totinha, embora já não vivesse de gado, ainda mantinha dois bois mansos no terreiro, que tratava como velhos companheiros. Aquele pedaço de chão paraibano que antes estalava no verão como telha velha agora se cobria, aos poucos, de vida. Nas clareiras onde antes só havia poeira, surgiam moitas de mororó e flores miúdas que atraíam beija-flores e borboletas. Plantaram milho em São José para comer pamonha no São João.  Mas ou o São João e já ou o São Pedro. Adentrava os primeiros dias de julho, o cheiro do couro e da poeira anunciava que a Missa do Vaqueiro se aproximava. Totinha, já com as costas envergadas pelo tempo, preparava-se mais uma vez para a viagem. Limpava a sela, lustrava os estribos e separava o gibão. Era um ritual. Tereza preparava o farnel, e Cícero, mesmo adulto, ajudava o pai a ajeitar os detalhes da viagem. No dia da partida, com o alforje no lombo do cavalo e o coração cheio de lembrança, Totinha se despediu do terreiro. Deu um beijo na mulher, que o abraçou e pediu para ir e voltar com Deus. Cícero o acompanhou até a entrada da estrada de barro, e ficou ali parado, vendo o pai sumir devagar entre a poeira, carregando no lombo da vida o peso da memória e a leveza da fé. E lá ia Totinha, mais uma vez, em direção a Serrita. Não só para honrar o amigo Raimundo Jacó, mas para reafirmar sua própria travessia.  Carregado de memórias, imagens e sons, entoou um aboio. “Ei, gado, oi”. “Eh eh eh eh…”, entoou o vaqueiro em sua partida. 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Aquiles Lins é colunista do Brasil 247, comentarista da TV 247 e diretor de projetos especiais do grupo.

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Ei, gado, oi: memória de um aboio interrompido u695a

A cada terceiro domingo de julho, Totinha honra Raimundo Jacó e reafirma o elo entre o sertão, a fé e a memória do vaqueiro 66426r

Vaqueiros na caatinga (Foto: Reprodução/TV Brasil )

O sol de julho queimava como brasa sobre o chão de Serrita, no sertão de Pernambuco. A terra rachada do sítio Lages parecia gemer sob os pés dos milhares de vaqueiros, romeiros e pessoas de todos os cantos do Nordeste que se aglomeravam no Parque Estadual João Câncio. Entre eles, impreterivelmente estava Totinha Vaqueiro, homem de pele curtida pelo sol e mãos calejadas pelo laço, como todos os anos, para honrar a memória de seu amigo Raimundo Jacó.  

O maior aboiador que os ouvidos humanos já ouviram. Aquele sim sabia aboiar. “Ei, gado, oi. Eh eh eh eh…” Ainda tem em sua memória o aboio do vaqueiro varando a caatinga adentro. Reconhecia de longe. Mas não escuta mais. Raimundo foi assassinado enquanto estava na lida, bem por ali por onde Totinha e milhares de pessoas pisavam. Havia sido enterrado sem nome, sem velório, sem despedida. Mas o povo do sertão não esquece os seus. Num ato de protesto, o rei do baião, Luiz Gonzaga, que era primo de Raimundo Jacó, compôs a música A Morte do Vaqueiro. O desagravo ganhou o apoio do repentista Pedro Bandeira e do padre João Câncio, que, comovido com a desonra à memória de Raimundo Jacó, celebrou pela primeira vez em 1970 a mundialmente conhecida Missa do Vaqueiro. E desde então, todo terceiro domingo de julho, Totinha Vaqueiro está lá. Viajava 400 quilômetros para este ato de fé, de pertencimento.  

Naquele ano, mais de sessenta mil pessoas enchiam o arraial. O altar erguia-se sob um céu azul sem nuvens. O padre ergueu a voz: “Deus também é pai do sertão!” A multidão respondeu em coro, e Totinha sentiu um arrepio. Aquelas palavras ecoavam dentro dele. Olhou em volta, viu rostos compenetrados marcados pelo tempo, pela luta, pela esperança. Eram vaqueiros como ele, agricultores, migrantes, gente que carregava no peito a mesma dor e a mesma fé. Totinha fechou os olhos e lembrou de sua mãe, dona Neide, mulher indígena do povo Truká que sabia reconhecer e reverenciar o sagrado. E de seu pai, José Severino, homem duro como a quixaba, mas de coração largo, foi quem o levou pela primeira vez a uma vaquejada, ensinando-lhe o ofício de tocar os bois e enfrentar a caatinga.  

Foi ali no meio da missa, ouvindo o padre pregar e lembrando dos parentes, que Totinha pensou em sua vida. Uns 20 e poucos anos atrás ele havia ido para as bandas da Paraíba, em Cajazeiras, juntamente com outros vaqueiros, para trazer umas cabeças de gado de lá. A viagem era longa, e ele parou numa vendinha à beira da estrada para tomar um café. Foi quando viu Tereza pela primeira vez. Uma moça de cabelos escuros e olhos que pareciam guardar o segredo das chuvas. Ela estava sentada no alpendre, debulhando feijão verde. Do outro lado do alpendre, uma senhora de feições serenas benzia uma criança com um ramo de arruda. Era Luzia rezadeira.  

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