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Elisabeth Lopes

Advogada, especializada em Direito do Trabalho, pedagoga e Doutora em Educação

65 artigos

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Do autoritarismo à exclusão: as múltiplas faces dos golpes no Brasil

Alguns golpes duram 21 anos, outros fracassam, como o de 2022/2023. Contudo, há golpes que parecem não ter fim

Interrogatórios dos réus da tentativa de golpe de Estado (Foto: Ton Molina/STF)

Pela primeira vez, o povo brasileiro teve a oportunidade de acompanhar, ao vivo e com o internacional pelas plataformas digitais, o interrogatório de militares e civis réus na Ação Penal 2668. Eles são acusados pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, além de deterioração de patrimônio tombado.

Diante da gravidade e da materialidade das acusações, esse julgamento representa um divisor de águas na história republicana do Brasil. O país ainda não havia testemunhado um processo dessa magnitude envolvendo oficiais militares de alta patente e figuras públicas ligadas diretamente ao centro do poder político. Trata-se de um momento ímpar que expõe as profundas veias antidemocráticas do ideário bolsonarista a que o povo brasileiro estava submetido, mas também reafirma a força do Estado Democrático de Direito.

Durante o interrogatório do ajudante de ordens do ex presidente Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, fomos contemplados com uma cena peculiar, pois estavam presentes, depois de algum tempo, num mesmo ambiente todos os réus do primeiro núcleo crucial da trama golpista: Mauro Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira, com exceção de Braga Netto que se encontra em prisão preventiva. Esse encontro, mesmo que forçado pelas circunstâncias, foi carregado de significados para o processo histórico em curso.

As respostas do réu colaborador expam não apenas os atos praticados, mas a verdadeira natureza de muitos dos envolvidos. Ficou evidente o despreparo, o oportunismo e a subserviência disfarçada de patriotismo de figuras que, até recentemente, se apresentavam como bastiões da moralidade e da ordem. 

Diante da Suprema Corte, rastejaram numa tentativa de minimizar seus atos e preservar o pouco de reputação que ainda lhes resta, tudo isso contrastando com o tom firme e civilizado dos ministros do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet.

O clima no decorrer dos interrogatórios foi tenso, marcado por contradições, evasivas e, por vezes, desrespeito à inteligência da sociedade. 

A arrogância de antes deu lugar a discursos defensivos, mal articulados e juridicamente frágeis. A postura dos réus revelou não apenas medo, mas também inconsistência moral de quem, em nome de uma ideologia autoritária, tentou subverter as instituições democráticas.  

A desfaçatez dos interrogados, o modo como conduziram suas defesas por meio de suas representações jurídicas malabaristas mediante a indefensibilidade dos atos cometidos contra o Estado de direito nos provoca a refletir sobre a formação pífia desses militares que se dizem patriotas e defensores da soberania nacional.

A carga emocional evidenciada ao longo dos dois dias de interrogatórios, captada em imagens, falas e expressões faciais dos réus, civis e militares, expôs de forma incontestável a covardia e a tentativa de falsificação da verdade. Tudo isso diante de um volume expressivo de provas dos atos antirrepublicanos que cometeram. Mais do que inteirar o público, já ciente desde 2023 das articulações golpistas, graças à ampla cobertura midiática, os relatos devem ter envergonhado profundamente seus pares de farda e ofício. Desabou, de vez, a farsa. Não foi patriotismo, não foi pela democracia. Foi pela ditadura que lutaram e falharam.  

A relevância desse julgamento transcende os réus envolvidos. Simboliza o estágio atual de uma democracia ainda em processo de consolidação, constantemente ameaçada por forças que não aceitam a pluralidade e a legalidade como fundamentos do poder político. A tentativa de golpe, embora fracassada, foi real e sua responsabilização é fundamental para impedir que se repita.

O processo judicial contra esses réus não se resume ao resgate de uma justiça factualmente negligenciada no ado pela impunidade dos militares responsáveis pelo sangrento golpe de 1964. Trata-se, sobretudo, de uma decisão com repercussão no futuro. O Brasil se vê diante da oportunidade de reafirmar seu compromisso com as instituições democráticas e com a soberania popular.

No entanto, para que a democracia se fortaleça de fato, é preciso ir além da responsabilização dos golpistas. Torna-se essencial desmascarar outros interesses contrários à lisura republicana que se escondem por trás da retórica populista da direita liberal, representada, em grande parte, pelo chamado “centrão” e pela extrema direita. Nesse cenário, é imprescindível enfrentar a sabotagem institucional que ocorre dentro do Congresso Nacional e restabelecer o debate político em torno dos interesses do povo.

Enquanto governos progressistas conviverem com instabilidades institucionais e com uma oposição que atua sistematicamente para minar iniciativas voltadas a mudanças significativas com vista à sustentabilidade econômica e social do país, à redistribuição da carga tributária e à correção de distorções, como objetiva a proposta de ajuste tributário elaborada pelo Ministério da Fazenda, nenhuma mudança mais profunda irá prosperar. 

A atual composição do Congresso, formada majoritariamente por representantes da direita liberal e da extrema direita bolsonarista, prioriza interesses individuais e corporativos, tendo como pretensão garantir as futuras reeleições. Esses parlamentares tratam seus mandatos como carreiras pessoais, não como instrumentos de representação dos interesses coletivos de seus eleitores.

A fragilidade dos compromissos institucionais desses políticos ficou evidente no último domingo, quando, após a rejeição da proposta original pelo Congresso, foram acordadas alterações no Decreto Presidencial sobre o IOF, durante uma reunião entre o ministro da Fazenda, integrantes do governo e a cúpula do Congresso Nacional. Segundo o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o encontro representou um marco histórico, pelo fato de as lideranças dos Poderes Executivo e Legislativo terem alcançado um consenso.

Todavia, o suposto consenso tão alardeado não durou sequer três dias. A pressão exercida por setores que seriam afetados pelas mudanças com ampliação na tributação sobre: o mercado de apostas (Bets), os criptoativos e os investimentos isentos como Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito Agropecuário (LCA), foi suficiente para que o acordo ruísse.

Os parlamentares, ao mesmo tempo em que se recusam a itir qualquer redução no orçamento das emendas que asseguram a manutenção de seus currais eleitorais e enquanto atuam em defesa dos interesses do mercado financeiro, cobram do Poder Executivo cortes nas políticas públicas direcionadas à população menos favorecida. Entre as propostas apresentadas pela direita, destaca-se a suspensão dos reajustes reais do salário mínimo e a desvinculação dos benefícios previdenciários desse parâmetro. Tal medida acarretaria uma corrosão do salário que já é insuficiente, além de comprometer as exíguas aposentadorias pagas pelo INSS. Paradoxalmente, a mesma Câmara dos Deputados que propõe tais cortes drásticos apresentou, nesta semana, por intermédio do deputado Hugo Motta, uma proposta que visa permitir aos parlamentares a acumulação de aposentadoria com o salário do mandato, prática atualmente vedada pela legislação vigente.

Alguns golpes duram 21 anos, outros fracassam, como o de 2022/2023. Contudo, há golpes que parecem não ter fim, como o da libertação dos escravos, em maio de 1888, que na realidade os jogou num destino de opressão, de exclusão social e econômica e de um  racismo estrutural vivido pelo povo preto, cujos efeitos se mantêm até os dias atuais; como o golpe  persistente sobre o imenso contingente de marginalizados que perambula pelos cantos das periferias, que vive e morre nas ruas pela fome pela indiferença daqueles que tudo podem e, que tendo instrumentos para mudar os destinos dos desvalidos, os ignoram; como o golpe dos maus políticos oportunistas, notadamente da direita e da extrema direita que não defendem as necessidades dos eleitores que os elegem na esperança de que suas vidas melhore; como o golpe que, de forma indevida, destitui governos progressistas legítimos por meio de um acordão envolvendo parlamentares da direita, a elite econômica brasileira e a mídia corporativa, a exemplo do ocorrido com a então presidente Dilma Rousseff.

Em vez de promoverem políticas voltadas ao bem-estar coletivo, orientam suas ações por interesses pessoais, corporativos ou ideológicos, por meio de uma prática que representa o desvirtuamento do mandato democrático e uma negação das demandas populares, sobretudo daquelas camadas sociais historicamente mais vulnerabilizadas. 

Dessa forma, é possível afirmar que a sociedade brasileira ainda convive com múltiplas formas de golpes nem sempre militares, mas profundamente enraizados nas estruturas sociais, econômicas e políticas. Combatê-los exige não apenas ações institucionais, mas também um esforço coletivo de reflexão crítica e transformação estrutural.      

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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