De Gaza a Teerã: a máquina de guerra israelense e a lógica da supremacia
Enquanto a estrutura de opressão permanecer intacta, a justiça continuará adiada
Na madrugada desta sexta-feira (13), Israel lançou um ataque aéreo em larga escala contra o Irã, atingindo instalações nucleares — como Natanz —, bases de mísseis balísticos e centros de comando militar localizados em Teerã, Isfahan e Arak. A operação provocou explosões em zonas urbanas e resultou em mortes de figuras-chave do aparato iraniano, como Hossein Salami (comandante da Guarda Revolucionária), Mohammad Bagheri (chefe das Forças Armadas) e os cientistas nucleares Fereydoon Abbasi e Mohammad Mehdi Tehranchi.
O governo israelense justificou a ofensiva como uma ação preventiva diante do que chamou de “ameaça existencial”. Segundo Tel Aviv, o Irã estaria a poucos dias de obter urânio suficiente para a produção de ogivas nucleares. Atualmente, Teerã enriquece urânio a 60% — percentual significativamente superior ao limite de 3,67% previsto no Acordo Nuclear de 2015 com o G5+1 (Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha). Apesar disso, o índice permanece aquém dos 90% necessários para a fabricação de uma bomba atômica.
Horas após o bombardeio, o Irã retaliou com o lançamento de cerca de 100 drones contra alvos israelenses, o que levou ao fechamento do espaço aéreo e à decretação de estado de emergência. O secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, afirmou que os Estados Unidos “não participaram” da ação, mas advertiu o Irã a não atingir interesses americanos na região.
Apesar da retórica oficial, analistas internacionais apontam que o ataque de Israel se inscreve em uma lógica geopolítica mais ampla: a da manutenção de sua supremacia militar e política no Oriente Médio. É a mesma lógica que, segundo críticos, sustenta há décadas a repressão sistemática ao povo palestino.
Democracia sitiada ou potência ocupante? - A narrativa hegemônica no Ocidente frequentemente retrata Israel como uma democracia sitiada, cercada por inimigos e permanentemente ameaçada. Essa visão, no entanto, oculta um ado e um presente de colonização, limpeza étnica e apartheid, impostos aos palestinos desde a fundação do Estado israelense, em 1948. Durante a Guerra árabe-Israelense daquele ano — conhecida pelos palestinos como Nakba (catástrofe,em árabe) —, cerca de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras para a criação do novo Estado. Esse processo violento é detalhado pelo historiador israelense Ilan Pappé em A limpeza étnica da Palestina, obra fundamental para a compreensão dos alicerces coloniais de Israel.
Nos dias atuais, práticas sistemáticas nos territórios ocupados são denunciadas por organizações como a Human Rights Watch e a ONG israelense B’Tselem como expressões de um regime de apartheid. Relatórios como A Threshold Crossed e This Is Apartheid documentam a existência de segregação territorial, legislação discriminatória e severas restrições à liberdade de movimento impostas aos palestinos — práticas que, de acordo com o direito internacional, configuram crimes contra a humanidade.
Necropolítica e genocídio - Esse controle violento sobre a vida — e sobre a morte — se insere na lógica da necropolítica, conceito formulado por Achille Mbembe para descrever regimes que exercem poder pela istração seletiva da morte. Na Faixa de Gaza, sitiada por terra, mar e ar há mais de 15 anos, essa política de morte se materializa na escassez deliberada de água potável, eletricidade, alimentos e medicamentos.
Em dezembro de 2024, a Anistia Internacional classificou oficialmente as ações israelenses em Gaza como genocidas, em violação direta à Convenção da ONU para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Segundo dados da ONU, até meados daquele ano, cerca de 34 mil palestinos haviam sido mortos, entre eles 13,3 mil crianças. Aproximadamente 1,9 milhão de pessoas foram deslocadas; hospitais, escolas e sistemas de saneamento foram reduzidos a escombros.
O massacre da família Abdelal, em Rafah, ocorrido em 20 de abril de 2024 — que resultou na morte de 16 crianças —, ilustra com brutalidade a falta de qualquer justificativa militar plausível para tais ataques. O bloqueio total, com interrupção da ajuda humanitária, agravou quadros de fome e disseminação de doenças, afetando desproporcionalmente crianças, gestantes e lactantes. Ao mesmo tempo, autoridades israelenses continuam a desumanizar os palestinos — alguns chegando a compará-los a “animais” —, o que reforça a tese de intenção genocida.
O ataque ao Irã: outra frente, a mesma lógica - Embora em contexto distinto, o ataque ao Irã segue uma lógica semelhante: a da segurança preventiva e da dominação militar. A retórica da “ameaça existencial” é instrumentalizada para legitimar ações unilaterais e ofensivas antecipatórias — o mesmo expediente utilizado para justificar a repressão violenta aos palestinos sob o manto da “autodefesa”.
O Irã, por sua vez, nega ter um programa nuclear com fins bélicos e acusa Israel de violar sua soberania. Em 2025, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) identificou, pela primeira vez em duas décadas, violações iranianas aos compromissos de não proliferação. O episódio evidencia tanto a escalada do conflito quanto o fracasso diplomático em contê-lo.
Em Israel, uma parcela da população judaica de origem iraniana tem demonstrado desconforto com a retórica de guerra contra o Irã, evidenciando tensões internas e memórias identitárias que desafiam a narrativa oficial, revelando fraturas sutis na sociedade israelense e uma crescente resistência à política de confronto permanente.
Justiça e descolonização - A superação da violência crônica no Oriente Médio requer mais do que contenção emergencial: exige o enfrentamento das causas estruturais do conflito. Isso implica o fim da ocupação dos territórios palestinos, o desmantelamento do regime de apartheid e o reconhecimento integral dos direitos do povo palestino — inclusive o direito de retorno e a autodeterminação.
A comunidade internacional tem papel decisivo nesse processo. É necessário aplicar sanções específicas contra violadores de direitos humanos, pressionar por investigações eficazes no Tribunal Penal Internacional e retomar as negociações nucleares com mediação multilateral, técnica e imparcial.
Como lembra Angela Davis em Freedom Is a Constant Struggle, não há liberdade sem justiça. E, nesse caso, justiça só é possível com descolonização e responsabilização internacional. Cabe aos movimentos de solidariedade global continuar denunciando os crimes em curso e exigindo medidas concretas para que tais violações não sejam esquecidas — e jamais repetidas.
O ataque de Israel ao Irã reafirma a militarização como resposta preferencial às crises da região. Mas enquanto a estrutura de opressão permanecer intacta, a justiça continuará adiada — e a paz, inalcançável.
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