A séria disputa sobre o nada, a camisa vermelha da seleção
Temos que discutir realmente como retomar o imaginário de que é a esquerda que defende a pátria autônoma
Você sentiu-se como barata no galinheiro, na discussão meio sem pé nem cabeça, sobre as cores da camisa da seleção brasileira? Junte-se a mim, você não está sozinho ou sozinho neste sentimento. Depois do boato, não se sabe se com algum laivo de verdade, sobre uma suposta camisa vermelha (ou até vermelha e preta da seleção), a rede social foi tomado por um debate sobre o sexo dos anjos, em que esquecendo se os anjos existiam ou não, não se parou apenas em se saber se os anjos teriam sexo e ou desejo, mas desceu-se às minudências de todas as variações de gênero, até o não-binário.
Primeiro, a histeria contra o vermelho da direita, e a lembrança do dicionário aureliano de que Brasil, da árvore Pau-Brasil, tinha que ver com brasa, e cor vermelha, que teria dado origem ao atual nome de nossa pátria. Então, seria lídimo, que a nossa camisa fosse vermelha. Houve deputado, nos estertores da loucura, propondo projeto que proibisse a seleção de envergar o manto vermelho. Mas a estupidez não foi só da direita, aliás, já faz um tempo que a estupidez não está relegada ao campo bolsonarista, é só olhar os posts do PCO em defesa dos nazistas que a gente lembra que, infelizmente, ainda que o número de parvos na direita seja maior, também existem aos mangotes os parvos de esquerda.
Teve gente revoltada com o fato da camisa, que teria tons em preto, beneficiar o Flamengo (que sequer é patrocinado pela Nike), e gente de esquerda lembrando o 7 x 1 e que não poderíamos homenagear a Alemanha (sendo que a Alemanha usou a camisa rubro-negra numa estratégia de simpatia e marketing da Adidas fazendo alusão explícita a camisa do Flamengo). Foi um sururu na casa de Noca, sem nenhuma noção, numa discussão sobre o nada.
Supondo que o boato tivesse algum tom de verdade, dá para se pensar que a Nike poderia estar tentando descolar a camisa da CBF dos atos pró-fascistas, da turma que acha que Bolsonaro é um Messias e, de lambuja, pegar alguma simpatia de 40 milhões de flamenguistas. Pode até ser, estratégia de marketing, malandro, nada além disto, se o boato tivesse algum lastro de verdade.
Sobre a história de que devemos “retomar os símbolos pátrios”. Sim, esta discussão tem que ser feita, mas sem a histeria da direita e com cuidado. A seleção não pode nunca tornar-se a pátria de chuteiras, e creio que a direita envergar a camisa da nada proba CBF tem muito que ver com o “Pra Frente Brasil”, “70 milhões em ação”, enquanto os lutadores contra a ditadura eram torturados e assassinados nos porões da ditadura. O fato é que, o uso indiscriminado do símbolo da CBF, ajustado ao fato de que o “maior ídolo” desta atual geração, Neymar, é um idiota bolsonarista que só fala asneiras quando abre a boca, causou um incômodo sem igual no uso da camisa da seleção. Nem durante a ditadura houve uma tal ojeriza e aversão a usar o símbolo da CBF.
Temos que realmente discutir a questão do imaginário popular e as noções de Pátria, Nação e Povo de um lugar. É perigoso para a esquerda a gente manchar o termo “patriota” colando a nazifascistas. Não chamo bolsonaristas de patriotas, não o são, são nazifascistas. E sim, sei que o termo patriota tem um duplo uso, que ora pode ser chauvinista e reacionário – como nos governos de direita imperialistas das nações capitalistas ou no nazifascismo de Alemanha e Itália; mas pode também ter o uso revolucionário e libertador de todas as guerras anticoloniais, incluindo as de Libertação da África e das revoluções Cubana e Nicaraguense. Fidel tem um texto revelador sobre o tema, Nacionalismo Conservador e Nacionalismo Revolucionário.
Então, sim, temos que discutir o tema, até porque não tem como ser internacionalista sem ter alguma identidade cultural. A “Globalização” parte de uma ideia de um liquidificador cultural em que todos temos que falar um inglês a la Sérgio Moro e virarmos culturalmente suburbanos de Miami. Não é possível pensar em internacionalismo sem voltar a discutir identidade cultural, para além da cultura de massa que reduz a atividade da esquerda a ser Pinkwashing dos grandes eventos da cultura de massa e da indústria cultural. Da década de 60 até a década de 80, discutir identidade cultural e cultura popular, manifestações sobre as raízes culturais populares do nosso povo eram pauta da esquerda. No século XXI esta discussão desapareceu. Formas estéticas importadas ou transplantadas, ou meramente copiadas do Império servem para dar cor e forma a nossas manifestações e viramos cachorro correndo atrás do rabo, já que a pauta é dada, em sua forma definida e acabada, pela “esquerda” do Partido Democrata dos Estados Unidos, e não vai além da pauta de costumes e identitária.
Antes que pensem que sou contra a pauta LGBTQI+, ou contra a pauta de luta contra o racismo, é fundamental pontuar o seguinte. Estas pautas fundamentais têm que estar centradas na luta de classes e com um discurso estratégico nosso. Se não disputamos a pauta e deixamos que esta se liberalize, temos o espetáculo de redução delas a um nicho de espetáculo e consumo, e que faz cócegas no sistema, em lugar de desafiá-lo. O Capitalismo de espetáculo pode conviver muito bem com estas pautas, desde que não se o desafie e não se diga que o centro estruturante do racismo e da homofobia é o próprio capitalismo.
O que isto tem que ver com a camisa da seleção? Tudo, paramos de discutir cultura, movimento de identidade cultural e cultura popular, qual o lugar de um processo de emancipação de uma nação e como a retomada das culturas de raiz realmente popular e local, revalorizadas podem ser dínamos desta luta.
Aí ficamos na discussão que a web e a indústria cultural nos impõe, falsa ou verdadeira, como a suposta camisa vermelha e preta da Nike. Esquecendo que a CBF é uma entidade fechada, que fatura bilhões, paga uma fortuna a seus próprios dirigentes, e aos dirigentes de federações, que se auto beneficiam destes suntuosos salários e votam em si mesmos eternamente. E que sequer podem ser questionados, a CBF é um feudo, uma corporação e um mundo à parte, acima das leis da Constituição Federal de 1988. Se alguém ousar pôr um dedo nela, vem a ameaça da espada de Dâmocles, de que o Brasil será expurgado da próxima Copa do Mundo, que o sol irá esfriar e as estrelas cairão no mar.
Temos que discutir realmente como retomar o imaginário de que é a esquerda que defende a pátria autônoma, incluindo a pauta grande Sul Americana e da Grande América, inclusive, historicamente, símbolos pátrios sempre estiveram misturados aos vermelhos nas nossas manifestações, nos últimos tempos, por conta da ofensiva nazifascista usando o verde-amarelo, estes símbolos sumiram. Mas, não, a camisa da CBF não é um destes símbolos, sendo amarela ou vermelha, é só um jogo de uma seleção, cuja simpatia hoje vai variar inclusive conectada a que as falas dos jogadores fiquem menos estúpidas e menos reacionárias. Se o principal jogador faz da camisa da seleção um marco das manifestações pró Ustra e pró AI5, se faz lives colado a Bolsonaro, é muito difícil tornar simpática a camisa da seleção a mais da metade da população que rejeitou o fascismo nas urnas.
Pinte a sua aldeia e serás universal, disse Tolstoi, não dá para ser cidadão do mundo sem reconhecer pertencimento a algum lugar, sem discutir aquilo que faz a Nação Brasileira ser uma Nação Brasileira, sem chauvinismo patrioteiro, mas com a defesa de um projeto autônomo, inclusive retomando a discussão da nossa cultura popular e de nossa identidade.
Termino cantarolando os versos de Jorge Aragão:
“Podemos sorrir, nada mais nos impede
Não dá pra fugir dessa coisa de pele
Sentida por nós, desatando os nós
Sabemos agora, nem tudo que é bom vem de fora”.
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